sábado, 27 de abril de 2013

Isabel de Portugal. Duquesa de Borgonha. Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval. Daniel Lacerda. «Mandou construir novas salas ao lado do palácio ducal, para nelas alojar a infanta, assim como um pavilhão monumental em madeira no interior do qual foi servido um banquete grandioso…»

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A negociação do casamento
«Foi difícil largar do porto de Lisboa devido à ausência de ventos favoráveis e as três primeiras naus só chegaram a Vigo a 27 de Outubro, voltando a partir a 6 de Novembro. Obrigada a suportar novas tempestades entre o Norte de Espanha e as costas francesas, a frota dispersou-se e a caravela em que seguia Isabel, mais algumas outras, rumou a Plymouth, onde se abrigou. Este atraso levou Filipe, sem notícias durante meses, a temer o pior; a 29 de Dezembro, a frota alcançou finalmente o porto flamengo de Écluse e a infanta chegava sã e salva. Aguardando o apronto das festividades que Filipe preparava em Bruges, Isabel ficou alguns dias em Écluse, recebendo a visita do duque bem como da duquesa de Bedfort, sua cunhada, que se encontrava na cidade. A dar crédito ao relato do cronista, as jovens senhoras, para selar a sua amizade, passaram juntas duas noites na mesma, cama.

O casamento
Na manhã de 7 de Janeiro de 1430, o duque Filipe ratificou o contrato de casamento na presença do infante Fernando, do duque de Ourém e do bispo de Évora. De tarde, Isabel veio de barco pelo canal até Bruges, onde foi recebida na porta de Speypoort (ou de Damme) pelos condes de Conversan e de Brienne, pelo senhor de Enghien e por grande número de cavaleiros, escudeiros e gentis-homens, precedidos pelos bispos, e ainda gente da Igreja e notáveis burgueses. O cortejo da noiva foi recebido no palácio ducal pelas duquesas de Bedfort e de Clèves, as condessas de Namur e da Lorena, a senhora de Luxemburgo e muitas outras damas e senhores.
Filipe, o Bom, ficou à testa do ducado, com a idade de 33 anos, de maneira algo inusitada: seu pai, João Sem Medo, sucumbiu vítima de uma emboscada na ponte de Montereau onde devia encontrar-se com o delfim, o futuro Carlos VII. Este acontecimento marcaria para sempre a personalidade do filho que, sedento de vingança, voltou a aliar-se aos ingleses que em território francês disputavam os domínios reais. O duque havia casado em primeiras núpcias com Michelle, irmã do delfim, tendo depois desposado Bonne d'Artois, viúva do duque de Nevers, antes de se empenhar nesta aliança física com a princesa portuguesa, já que nenhuma daquelas esposas lhe dera um sucessor. Filipe era então um dos soberanos mais ricos do seu tempo.
A grandeza da corte, onde triunfavam as regras da cavalaria assim como a protecção aos artistas, distinguia o seu reino, sempre em busca do espectacular. Nos anos que precederam o casamento, Filipe havia acrescentado consideravelmente os seus domínios no Norte. Tinha obtido confirmação da administração das cidades do Norte de França dadas em garantia do dote de Michelle. Num tempo em que as linhagens senhoriais prevaleciam, a morte dos parentes chegados, envolvendo verdadeiras heranças, podia também trazer um acréscimo de bens e títulos. Filipe, o Bom, antes de cair nesse torpor familiar, revelou menos tristeza com a morte, surgida em plena juventude, de Philipe de Saint-Pol, duque de Brabante, seu herdeiro, em Agosto de 1430, em Lovaina. Ele tirou partido do falecimento deste infeliz primo, filho do conde Philippe de Nevers, que reclamava o lugar de Filipe à frente da Casa de Borgonha.
Essa morte inesperada permitiu ao duque, seguro do seu poder militar, tomar o controlo dos feudos correspondentes, negligenciando os direitos de Margarida de Baviera e de seus primos. Filipe juntou assim aos títulos que já possuía os de duque de Brabante, de Limbourg e de Lothier (Baixa Lorena). Em seguida, o duque conseguiu fazer-se reconhecer herdeiro de João de Baviera, disputando pelas armas as vastas terras de Jacqueline de Hainaut (Holanda , Zelândia, Frise, Hainaut), tendo obtido o direito de gerência pelo tratado de Delft, em 1428. Após a morte desta impressionante condessa, falecida nos arredores de Leyde, em 1436, o duque tomará posse completa destas regiões imensas, apesar dos veementes protestos de Segismundo de Baviera. Filipe, o Bom, para lograr com êxito a unificação dos condados que formariam posteriormente os Países Baixos, teve de dar provas de uma tenacidade tão grande como a sua ambição, a fim de eliminar não somente as pretensões e direitos de Jacqueline, mas também as de João de Baviera, de Gloucester, de Van Borselem e mesmo de Bedford. No fim de Outubro de 1430, Filipe, o Bom, faz a sua entrada em Lovaina, onde funda a Universidade, para em seguida se instalar em Bruxelas, tomando aí várias medidas com o objectivo de conquistar o coração dos seus vassalos. A Casa de Borgonha deslocava assim o eixo da vida política para o Norte, tornando-se Bruxelas a sede principal da corte.
Por ocasião do terceiro casamento, o duque preparou festas que deveriam ultrapassar em magnificência as duas anteriores. A recepção a oferecer à noiva portuguesa revestiu-se de um esplendor inigualável e de um fausto a que só a Casa de Borgonha estava habituada. Mandou construir novas salas ao lado do palácio ducal, para nelas alojar a infanta, assim como um pavilhão monumental em madeira no interior do qual foi servido um banquete grandioso, com a mesa ducal sobrelevada a dominar a dos príncipes e senhores. As ruas foram decoradas com auriflamas, tecidos da Flandres e variadas preciosidades». In Daniel Lacerda, Isabelle de Portugal – duchesse de Bourgogne, Éditions Lanore, 2008, Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha, Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval, tradução de Júlio Conrado, Editorial Presença, Lisboa, 2010, ISBN 978-972-23-4374-9.

Cortesia de Presença/JDACT