sábado, 27 de abril de 2013

Evocação Histórica. Afonso Henriques. Mário Domingues. «De início, o território governado por Henrique limitava-se a uma acanhada faixa, que tinha a cidade de Braga por cabeça. “De como a breve trecho se dilatou desde o Minho ate o Tejo” não o pôde a história averiguar com precisão, por falta de documentos»

jdact e cortesia de wikipedia

Irmãos, divididos pelo ódio e pela cobiça, guerreiam-se furiosamente
«Não ligando importância a seu irmão Garcia, que continuava a governar a Galiza e o território que mais tarde constituiria o norte de Portugal, Sancho volveu-se contra D. Urraca, que se mostrara parcial do monarca vencido, chegando até a favorecer-lhe a evasão. Declarou-lhe guerra e sitiou Samora, que, resistindo desesperadamente, não capitulava. Foi durante este cerco que um sucesso imprevisto pôs subitamente fim ao conflito. Belido Arnulfes, cavaleiro de Samora, avistando um dia o monarca de Castela a passear, só e descuidado, diante das muralhas da cidade, partiu das barreiras a toda a brida, correu contra ele e, ferindo-o mortalmente com uma lançada, regressou incólume às fortificações.
Esta morte mudou por completo a feição política daqueles reinos. D. Urraca enviou logo mensageiros a toda a pressa a seu irmão Afonso, aconselhando-o a que corresse imediatamente a ocupar o trono de Castela que ninguém lhe disputaria, porque Sancho morrera sem sucessão. Com efeito, Afonso, dirigindo-se a Samora, foi ali reconhecido pelos barões de Leão e da Galiza. E empunhando o ceptro, iniciou o seu governo, sem que os grandes senhores, por via de regra tão turbulentos, lhe fizessem a menor obstrução.

Luta obstinada pela Independência
Os condes Raimundo e Henrique firmam aliança secreta para se apoderarem da herança de Afonso VI
Como referimos, Afonso VI, ao saber que Iussuf, o grande emir de Marrocos, passava à Península com um numeroso e aguerrido exército, tratara de reunir o maior número possível de forças cristãs que pudessem resistir com êxito ao embate muçulmano, que se previa violentíssimo. Para o conseguir, em fins de 1079 e princípios de 1080, chamou em seu auxílio o monarca Sancho, rei de Aragão, levantou grandes contingentes de guerreiros na Galiza, Astúrias, Leão e Castela, e ainda fez aliciantes convites a nobres cavaleiros do sul da França, que compareceram seguidos dos seus homens de armas, que, ao uso da época, vinham não só desejosos de derrotar os maometanos, inimigos da sua fé, mas também de se enriquecerem com despojos valiosíssimos, pois os Árabes costumavam pelejar adornados das suas jóias mais preciosas.
Ora, entre os nobres cavaleiros franceses, que acudiram ao apelo do rei de Leão e Castela, dois podiam considerar-se da melhor estirpe. Um chamava-se Raimundo e era filho de Guilherme I, conde de Bolonha, e o outro, de nome Henrique, era quarto filho de Henrique, irmão da esposa de Guilherme I de Bolonha e neto de Roberto, duque de Borgonha e irmão de Henrique II, rei de França. Em paga dos serviços que estavam prestando na guerra contra as forças consideráveis de Iussuf, em que aliás não levaram o melhor partido, Afonso VI deu a Raimundo sua filha legítima D. Urraca em casamento, tornando-o senhor de toda a Galiza, que nessa data englobava a parte da Lusitânia constituída pelos distritos de Coimbra e Portucale. Por sua vez, Henrique, conde de Borgonha, em atenção ao valor do seu auxílio, obteve a mão de Tarásia ou Tareja (Teresa, pela pronúncia actual) que era filha ilegítima do mesmo monarca e de uma nobre dama chamada Ximena Muniores ou Nunes.
De início, o território governado por Henrique limitava-se a uma acanhada faixa, que tinha a cidade de Braga por cabeça. De como a breve trecho se dilatou desde o Minho ate o Tejo não o pôde a história averiguar com precisão, por falta de documentos. Sabe-se, no entanto, que deixou de fazer parte da Galiza, onde governava Raimundo, e depreende-se que duas razões fortes levaram Afonso VI a dividir aquele vasto domínio pelos dois primos gauleses:
  • a primeira, pela dificuldade que Raimundo teria em administrar e defender toda a província ocidental, ficando a sede do seu governo a enorme distância das raias mouriscas;
  • a segunda, pelo descontentamento causado pelos desaires sofridos por Raimundo na luta contra os muçulmanos do sul. E parece que foi esta a razão mais forte que influiu o monarca de Leão e Castela a confiar a Henrique, em 1095, o governo do território que se estendia desde o rio Minho até o Tejo.
Se não, rememoremos os factos que criaram a Raimundo a situação desairosa que tanto desagradou ao seu rei e sogro. No início da campanha, que levaria o emir de Marrocos a dominar todos os Estados muçulmanos da Península, como aliás estes tanto receavam,
Seyr, obedecendo aos desejos de Iussuf, em 1093, invadiu os territórios do emir de Badajoz, que, por essa época, incluíam todo o Al-Gharb, ou ocidente da Península, até a fronteira cristã. Renderam-se-lhe Évora (Jéborah), Silves (Chelb) e outras cidades. Submetida esta província, Seyr volvera-se contra Rui Dias, que então sitiava Valência. Entretanto, o conde Raimundo descera da Galiza até Coimbra e, na Primavera seguinte, marchando mais para o sul, viera assentar arraiais nas proximidades de Lisboa. Por descuido ou imperícia, não contou com os Mouros, que, saindo-lhe ao encontro, lhe infligiram a derrota que tanto contrariou o monarca, decidindo-o a entregar ao conde Henrique o extenso território que ia desde o Minho até Santarém, na margem direita do Tejo.
As boas disposições de Afonso VI para com o genro Henrique inferem-se do facto de, ao mesmo tempo que o casara com a sua filha bastarda D. Teresa e lhe confiava o governo da província portucalense, ou portugalense, outorgava aos dois cônjuges, como bens próprios e hereditários, as propriedades realengas do mesmo território. Foi este o dote que D. Teresa levou em casamento, conforme se depreende da crónica anónima do rei de Leão. Não serão muitos os documentos que nos elucidem acerca da vida do conde Henrique. Sabe-se que os primeiros anos do seu governo foram relativamente calmos, fruindo as delícias do matrimónio recente, apenas, por vezes, interrompidas pelas habituais correrias e devastações que Mouros e cristãos mutuamente se brindavam nas proximidades dos respectivos domínios. A luta que se travava entre os próprios maometanos permitia uma certa folga às populações e às hostes da Cristandade. Por essa época, sucediam-se as escaramuças e batalhas entre as forças muçulmanas da Península e os exércitos de Iussuf, que acabaram, como se sabe, por impor o domínio africano a toda a Espanha sarracena.
O condado portucalense abrangia grande parte das terras da antiga Lusitânia e não há notícia de que os povos manifestassem descontentamento contra Henrique. Este, por seu turno, que saíra de França simples cavaleiro e agora se sentia quase soberano de um país tranquilo, parecia achar-se contente com a sua sorte. Em 1097 e 1098, foi em peregrinação a Santiago de Compostela, e em 1100 e 1101 ainda residia na corte de Afonso VI, que já se intitulava imperador». In Mário Domingues, D. Afonso Henriques, Evocação Histórica, edição da L. Romano Torres, Lisboa, 1970.

continua
Cortesia de Romano Torres/JDACT