sexta-feira, 29 de março de 2013

Poesia. Écloga de Jano e Franco (fragmentos). Bernardim Ribeiro. «… um clássico, inigualável, que nos dá a cena do primeiro encontro e do despertar do sentimento num ritmo de encanto magoado, feito de atenção ao pormenor…»

Cortesia de wikipedia e jdact

(Continuação)

Écloga de Jano e Franco
«Mui perto estava o casal
onde vivia o pai dela,
que fez ir mais longe o mal
que Jano teve de vê-la;
mas o medo que causou
Joana partir-se assi,
tanto as mãos lhe embaraçou,
que a sapata esquerda, ali,
com a pressa lhe ficou.

Jano, quando viu e olhou
que nenhum remédio havia,
para o lugar se tornou
aonde ela na água se via;
e vendo a sapata estar
no areal, à beira de água,
foi-a correndo abraçar.
Tomando-a, creceu-lhe a mágoa
e começou a chorar.

[…]
Despojo da mais fermosa
coisa, que viram meus olhos,
pera eles sois uma rosa,
e para o coração abrolhos.
Sapata, deixada aqui,
para mal de outro mor mal,
quem te leixou leva a mim:
que troca tão desigual!
Mas pois assi é, seja assim.

[...]
Dentro do meu pensamento
há tanta contrariedade,
que sinto contra o que sinto
vontade e contra vontade;
estou em tanto desvairo,
que não me entendo comigo.
Donde esperarei repairo?
 - que vejo grande o perigo
e muito mor o contrairo.

[…]
Ó mal! Não vos sabe a vós
quem me vós a mim causou!
Tristes dos meus olhos sós,
que trouveram, aonde estou,
olhos, a certo lugar
ribeira mor das ribeiras
que levam as águas ao mar
vós me sereis verdadeiras
testemunhas do pesar.

Poema de Bernardim Ribeiro

JDACT