quinta-feira, 21 de março de 2013

Cravos de Papel. 1922. Poesia. Eugénio de Castro. «Ouvindo Manoel, Maria desfalecia d'amor, e, sobre o seu seio, o cravo par'cia um santo no andor. Manoel cumpriu a palavra, foi firme nos seus afectos; casou, e morreu velhinho, deixando filhos e netos»

Cortesia de wikipedia e jdact

Cravos de papel, com trovas,
Sois portugueses de lei:
Viajando por longes terras,
Nunca por lá vos topei.

O Cravo de Papel
Cravo de papel de seda,
com delgado pé de arame,
nenhuma abelha o beijou
Fugida do alado enxame.

Fina serrilha acairela
suas pétalas de lume:
vermelho, p'la cor, engana,
mas, falso, não tem perfume.

Feito por mão feminina,
quem o fez com tal primor,
talvez nele se pintasse,
dizendo amar sem amor…

À laia de bandeirola,
ostenta, acordando fados,
uma quadrinha com versos
cheios d'amor, mas errados.

Nesse trajo, a arder se vê
em ardente romaria.
Um Manoel o compra e of’rece
à sua noiva, Maria.

Mas a mãe da noiva observa
em seu materno temor:
 - quem um cravo falso dá,
‘dá decerto um falso amor!’

Manoel, que ama deveras,
responde com ansiedade:
 - se este cravo é de mentira,
‘Meu amor é de verdade!’

Não seja assim, tia Rosa,
tão rabugenta e cruel:
tenha confiança em mim
e no cravo de papel.

Ainda que seja d'oiro,
a oferta de quem quer bem
vale mais pelo que diz
do que p'lo peso que tem.

Este cravo, sendo falso,
vence os cravos verdadeiros,
cuja cor, cujo perfume
são doces mas passageiros.

Não diga mal, tia Rosa,
deste cravo que é honrado:
se ele nasceu sem perfume,
tem o do amor com que é dado!

Ouvindo Manoel, Maria
desfalecia d'amor,
e, sobre o seu seio, o cravo
par'cia um santo no andor.

Manoel cumpriu a palavra,
foi firme nos seus afectos;
casou, e morreu velhinho,
deixando filhos e netos.


Triste História Duma Rosa
Rosa... Rosinha... Rosita,
Nomes que eram flor's cheirosas,
Tinha-os todos certa moça
de pel' de nardos e rosas.

Sua pel' rosada e branca,
que altos reis fizera escravos,
par'cia um rio de leite
reflectindo acesos cravos.

Fogo coado por gelo,
tal pel', de causar delírios,
era um desmaio de rosas,
e um róseo pudor de lírios.

Pel' de fruto rescendente,
pel' de estrela e pel' de flor,
era uma chama com frio,
neve a morrer de calor.

Donzela, Rosa era rósea…
Mas quando enfim foi beijada
p'la boca dum noivo terno,
ficou rosinha encarnada.

Encarnadinha, vencia
todas as rosas da terra!
Mas veio a guerra… e o seu noivo
Lá foi, fardado, p'ra a guerra!

Na hora da despedida
(há horas bem dolorosas!)
Floriu-lhe a testa com beijos
e a carabina com rosas...

Vendo-o partir finalmente,
mm manhã serena e bela,
rosa fez-se rosa-chá,
rosinha d'oiro, amarela.

Amarelinha e saudosa,
bem mostrava o seu desgosto:
era o oiro das saudades
que lhe amarelava o rosto.

Ai... Mas um dia o carteiro,
vindo triste pela estrada,
traz-lhe uma carta de França,
de luto negro tarjada!

Antes de ler, adivinha
a tremenda dor que a espera:
sendo noiva, era viúva,
seu lindo noivo morrera!

Nem uma lágrima verte,
nem um só ai se lhe arranca:
Rosa é rosa… mas agora,
para sempre… rosa branca!

In Eugénio de Castro, Cravos de Papel, Empresa Internacional Editora Lumen, edição com tiragem especial, Lisboa, Porto, Coimbra, 1922.

Cortesia de Lumen/JDACT