segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Das Memórias de José Relvas. Descrição da tomada de posse do ministério das Finanças. «Todos reconheciam a necessidade de prover definitivamente o “Ministério das Finanças” em pessoa que inspirasse confiança nos meios financeiros, nacionais e estrangeiros. Sem dúvida Basílio Teles merecia-a, a sua reputação de integridade moral, incontestavelmente bem fundada»

Cortesia de wikipedia

Descrição da tomada de posse de José Relvas do ministério das Finanças, no dia 12 de Outubro de 1910
«Cargo que assumiu em substituição de Basílio Teles, que tendo sido a primeira escolha do Partido Republicano para ocupar a pasta, após a Revolução de 5 de Outubro de 1910 e a implantação da República, nunca assumiu as funções para que tinha sido escolhido.

Nos primeiros dias depois da proclamação da República manteve-se constantemente junto do Governo um grupo de velhos republicanos. Nos Ministérios só os ministros eram novos; todo o pessoal das secretarias era o mesmo que a Monarquia ali deixara. José Barbosa, [(1869-1923), jornalista fundador do jornal republicano Pátria viveu no exílio de 1894 a 1908, sucessivamente em Espanha, França e Brasil. Em 1910, o regime republicano nomeou-o director e secretário-geral do Ministério do Interior, sendo eleito deputado nas Eleições Constituintes de 1911. Aderiu ao Partido Evolucionista de António José de Almeida, tendo feito parte do gabinete de Álvaro de Castro como ministro das Colónias], que foi o primeiro director-geral do Ministério do Interior, tomou posse do cargo alguns dias depois da Revolução; no Ministério dos Estrangeiros não chegou a fazer-se substituição dos funcionários superiores.
Ainda hoje são os mesmos que serviam o antigo regime! Só Afonso Costa e Correia Barreto [(1853-1939), oficial de artilharia em 1869, publicou um estudo sobre pólvora em 1885 que fez com que fosse encarregue de criar munições com pólvora sem produção de fumo. Sendo conhecidas as suas ideias republicanas foi nomeado para director da Fábrica de Pólvora, para o Conselho de Administração Militar e para o Depósito Central de Fardamentos. O almirante Cândido dos Reis convidou-o para a comissão organizadora da revolução de 1910, tendo sido nomeado ministro da Guerra do governo provisório, ainda com o posto de coronel. Foi o responsável pela criação dos Pupilos do Exército, e pela reforma republicana do Exército. Eleito para a Constituinte, foi senador em todas as legislaturas até 1926. Foi ministro da guerra no governo Duarte Leite, tendo presidido à Câmara Municipal de Lisboa]. se fizeram cercar sem demora de autênticos republicanos. Afonso Costa procedeu muito conscientemente e de modo próprio; Correia Barreto aceitou a situação que lhe criaram os oficiais revolucionários, que foram chamados os jovens turcos. No Ministério da Marinha, Azevedo Gomes manteve na direcção-geral Eusébio da Fonseca, personagem eminentemente funesto, como teremos ocasião de verificar quando referir como se fez a reforma dos serviços desse Ministério. No Fomento, António Luís Gomes , inalteravelmente preocupado com escrúpulos de legalidade na obra revolucionária, julgava ofender direitos destituindo os directores-gerais, e por isso os deixou nos seus postos! O Ministério das Finanças estava interinamente dirigido por Bernardino Machado, enquanto não chegava Basílio Teles, esperado todos os dias e solicitado incessantemente não só pelos enviados do Governo, mas também por Duarte Leite e outros republicanos, que foram ao Porto convencê-lo da urgência da sua vinda. Inúteis tentativas, que todas se malograram perante a abstenção que vinha constituindo o seu programa desde a eleição de Setúbal, em que fora investido na função de membro do Directório! Para justificar a demora alegava vagas razões, e por último reclamou o tempo necessário para rever as provas do Livro de Job! Quando referiram a Junqueiro este pretexto o grande poeta e ironista exclamou:
  • Não é o Livro de Job que ele precisa corrigir; é o Livro de Cresus.
No grupo, a que me referi, havia verdadeira inquietação causada por tão injustificável ausência. Todos reconheciam a necessidade de prover definitivamente o Ministério das Finanças em pessoa que inspirasse confiança nos meios financeiros, nacionais e estrangeiros. Sem dúvida Basílio Teles merecia-a, a sua reputação de integridade moral, incontestavelmente bem fundada, e a competência profissional que lhe atribuíam os conhecimentos económicos e financeiros revelados nos seus livros, eram suficientes para que o seu nome fosse acolhido com a mais benévola expectativa.
A disposição das praças do País e a atmosfera feita em Paris e Londres facilitavam os primeiros passos do ministro das Finanças. Na imprensa alemã não transparecia desconfiança alguma, e pode dizer-se que a única nota discordante foi dada por alguns jornais de diversos países, naturalmente hostis ao novo estado político de Portugal, insistindo nos perigos que viriam mais tarde a ameaçar a integridade do domínio colonial português. Em Paris, Martins Weinstein fizera espontaneamente a mais lisonjeira campanha a favor da República, garantindo aos principais banqueiros franceses, ingleses e alemães, a execução dos compromissos nacionais, a segura salvabilidade dos nossos encargos internos e externos, e a confiança pessoal com que deviam ser recebidos os novos homens públicos do País, concorrendo por essa forma para consolidar o efeito moral da campanha que tínhamos feito, Magalhães Lima, Alves da Veiga e eu. O apoio decidido do Economist, de Londres, representou um factor considerável. À desagradável tradição que nos privava do concurso eventual de Rotschild podíamos felizmente opor o crédito que íamos ter na casa Hambro.
A demora de Basílio, porém, inutilizava em parte tão bons auspícios. Assim o sentiam os homens mais ligados ao Governo e assim o manifestavam claramente alguns financeiros de Lisboa e Porto. Martins Weinstein trazia-me bem informado da impressão estrangeira. Na manhã de 11 de Outubro tive de procurar Afonso Costa para lhe falar em qualquer assunto que interessava a marcha do Governo; encontrei-o com Bernardino Machado no gabinete do Ministério das Finanças. Deram ambos por muito oportuna a minha presença, porque estavam lamentando a abstenção de Basílio Teles e reconhecendo a urgência da sua imediata substituição. Disseram que tinham deliberado confiar-me aquele posto, afirmando que naquele momento o meu nome se lhes impunha, e, como eu desenhasse um gesto de negativa, Afonso Costa alegou as circunstâncias ocorrentes, apelando para o meu patriotismo que me não consentiria a escusa de prestar um novo e relevante serviço à República». In Portugal - Dicionário Histórico, Páginas Pessoais, Wikipédia.

continua
Cortesia de Wikipédia/JDACT