terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A Duquesa de Bragança. Poema em Oito Cantos. José Carlos Gouveia. «Oh! Presta-me um momento, (ser não julgo pretencioso, fero desacato), a lyra, que pulsou sublime vate; dá-me o estro, a candura, o sentimento, uma faisca só d'aquelles fachos, que o mundo alumiaram com seu brilho, que aos povos do porvir ensina o rastro»

Cortesia de wikipedia e jdact

NOTA: De acordo com o original

Canto Primeiro
O regresso do duque
I
«Da gélida mortalha, que te involve,
ó génio do passado altivo surge;
da gloria d’este povo, que foi grande,
os hymnos um momento audaz desperta.
Dos luzos d'outras eras dai-me o esforço,
prestai-me no meu canto o fogo, o impeto
que as quinas portuguezas sobre os mares
por ignotas paragens dirigia.
Tu idolo prostrado, estro fecundo.
Da campa, que três séculos calcaram,
levanta o marcio vulto, o fero porte,
e n'um grito d'angustia aos povos narra
o que foi a nação aventurosa,
qual o arrojo, o poder dos lusitanos.
Proclama ao som das tubas vencedoras
o terror, o respeito, que no mundo
ás nações mais possantes este povo
pequeno mas heroe sob’rano exige.
Desperta do teu somno prolongado,
e a espada flammejante sobre as cinzas
d’esses dias de gloria ergue arrogante.

II
Só tu, que dois colossos reuniste
sobre o throno onde brilha aereo labaro,
onde a c'rôa fulgente de Petrarcha
os vindouros invita a eterna fama;
só tu, que os dois gigantes do talento,
de Lysia padrões d'eterna gloria,
a quem lustros sessenta separaram,
uniste num só elo indissoluvel;
e de louros cercados lá no Olympo
os deixaste formando a luz do espirito,
o génio que preside ás lettras pátrias:
só tu, que de Camões e de Garrett
o idolo formaste d'este povo,
que n'elles sempre vivos tem seus fastos,
repletos de bravura e d' heroísmo;
só tu meu guia podes ser nas trevas,
que abundam sobre a misera progenie
de vultos, que serão immorredouros
da patria, das nações, no livro aberto.
Oh! Presta-me um momento, (ser não julgo
pretencioso, fero desacato),
a lyra, que pulsou sublime vate;
dá-me o estro, a candura, o sentimento,
uma faisca só d'aquelles fachos,
que o mundo alumiaram com seu brilho,
que aos povos do porvir ensina o rastro.

III
Das quinas o pendão, terror da Lybia,
descendo pelas plagas arenosas,
galgara já por fim além dos trópicos;
das tormentas ao cabo era chegado,
e ovante se implantára em novas terras,
entre gentes, que os filhos d'esta Europa
jamais tinham sonhado. Inda seguia
sob um ceu nunca visto, em novos mares,
do Ganges a buscar as férteis ribas,
da India opulenta o grande imperio:
E nos mares d'oeste tremulando,
a encontrar lá ia um mundo virgem,
onde surge qual sonho um novo império,
o rei afortunado ao sceptro d'ouro
o oceano acurvara, e com orgulho
no throno foi sentar-se de dois mundos!
De faustosa nobreza rodeado,
do rispido João largando a senda,
o brilho renovou d'aureos califas,
Os nobres desterrados avocando
á terra de seus paes. De novo á corte
O mais nobre fidalgo então volvia,
O duque de Bragança, o tenro joven
D. Jayme, que no exilio inda expiava
do seu progenitor rebelde intento.
O duque de Bragança, o alto vertice
da mais alta nobreza lusitana.

continua

In José Carlos Gouveia, A Duquesa de Bragança, Poema em Oito Cantos, Lisboa, Tipographia e Stereotypia Moderna, Lisboa, 1898, Discens Laborans Ébora, Gabriel Augusto Mendes, 1898.

Cortesia de Discens Laborans Ébora/JDACT