quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Semeador de Cultura e Cidadania. Inéditos e dispersos. Bento de Jesus Caraça. Alberto Pedroso. «… cientista e pedagogo de renome internacional; fomentador e dirigente de instituições e periódicos científicos e culturais; conferencista e autor de ensaios inesquecíveis. … repartiu sabiamente e com quotidiano empenho, a sua vida, e tão breve ela foi»

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Semeador de Cultura e Cidadania
A figura de Bento de Jesus Caraça, o seu magistério universitário e a sua actividade científica, o seu labor cultural e a sua constante intervenção cívica e política, marcou profundamente a vida portuguesa contemporânea, desde os últimos anos da década de 20 até aos nossos dias.
Professor catedrático da Universidade Técnica de Lisboa, cientista e pedagogo de renome internacional; fomentador e dirigente de instituições e periódicos científicos e culturais; conferencista e autor de ensaios inesquecíveis; militante comunista e impulsionador de movimentos unitários de resistência ao fascismo, clandestinos e legais, por tudo isto repartiu, sabiamente e com quotidiano empenho, a sua vida, e tão breve ela foi.
Detentor de excepcionais qualidades intelectuais, possuidor de uma vasta e sólida cultura científica, histórica, filosófica e artística e, além disso, abnegado obreiro apetrechado com as ferramentas do materialismo dialéctico e do materialismo histórico, Bento Caraça repudiou com firmeza o isolamento na "torre de marfim" do sábio e do pensador. Por isto o vemos, desde muito cedo, na primeira linha daqueles que, correndo os mais graves riscos, pela acção clandestina ou pela luta a peito descoberto, fizeram frente à repressão e ao obscurantismo do Estado Novo.
Homem de diálogo e de consensos, sem esquecer jamais os princípios essenciais que o norteavam, teve sempre, pela vida adiante, a preocupação de agitar ideias, convicto como estava e fez questão de sublinhar, ao terminar a conferência A Escola Única, que agitar ideias, a despeito do que dizem certos escribas abafadores de cultura, agitar ideias é muito mais do que viver, porque é ajudar a construir a vida.
Foram anos tormentosos, os da primeira metade do século passado, e foi nesses anos que Bento Caraça viveu, sendo contemporâneo, portanto, no plano nacional, do derrube da monarquia e das esperanças nas promessas trazidas pela Primeira República, bem cedo perdidas; da vida perturbada desta e da chegada da ditadura militar, que a deitou por terra; do malogro das várias tentativas revolucionárias, em especial as de 1927 e 1931, contra essa mesma ditadura militar; da ascensão do Estado Novo e da formação e desenvolvimento do movimento antifascista em Portugal; da fascização dos sindicatos e da greve insurreccional de 1934, do anseio a breve trecho frustrado de derrubar o fascismo, logo que a Segunda Guerra Mundial terminou.
Do mesmo modo, foi contemporâneo, a nível internacional, da Primeira Guerra Mundial e da revolução socialista de Outubro; da devastadora crise económica mundial de finais dos anos 20 e começos da década de 30; da tomada do poder pelo fascismo e pelo nazismo em vários países europeus; da implantação da república em Espanha e das experiências exaltantes da Frente Popular, neste país e em França. Foi contemporâneo, ainda, da Guerra Civil espanhola e da Guerra Mundial de 1939-1945 e, por fim, da esperança renascida, com a vitória das forças democráticas do mundo sobre o nazi-fascismo.
Contemporâneo de tantos e de tais acontecimentos, dessa época de transição, uma ponte de passagem entre aquilo que desaparece e o que vai surgir (as palavras são suas), em nada surpreende, ao percorrermos as páginas da história portuguesa desses anos dolorosos mas de esperança, nelas encontrarmos a cada passo a presença moral e a presença física de Bento Caraça:
  • a sua abnegada intervenção nas grandes batalhas travadas pelo povo português ao longo dos anos contra o obscurantismo e pela cultura,
  • a sua participação na luta contra a guerra e o fascismo,
  • o seu empenho de todas as horas nos movimentos cívicos que pugnavam pela reconquista das liberdades.
Em suma:
  • a sua participação no despertar a alma colectiva das massas, que por demais sabia ser a grande tarefa que está posta, com toda a sua simplicidade crua, à nossas geração, como reconheceu perante os jovens da União Cultural Mocidade Livre que o escutavam na sede da Universidade Popular em 25 / 5 / 1933, durante a inesquecível conferência que aí realizou.
Ainda não surgiu a biografia de Bento Caraça tão ansiosamente esperada, o seu retrato em corpo inteiro. Mas o que já é conhecido acerca da sua vida , da intervenção que teve em áreas essenciais da sociedade portuguesa do seu tempo, no ensino, na cultura, na vida cívica, permite avaliar a dimensão e a qualidade dessa intervenção, quanto ela foi determinante em tantos casos». In Alberto Pedroso, Bento de Jesus Caraça, Semeador de Cultura e Cidadania. Inéditos e dispersos, Campo das Letras Editores, Porto, colecção Cultura Portuguesa (1.38.010), 2007, ISBN 978-989-625-128-4.

Cortesia de Campo das Letras/JDACT