segunda-feira, 12 de novembro de 2012

‘O Manuscrito Alfield’. Romance apócrifo que finge ser a edição crítica de um manuscrito de 1516, de uma crónica francesa desaparecida. Alan Dorsey Stevenson. «… pude verificar que o Manuscrito Alfield fora incorporado à colecção no ano de 1899; mas nenhuma pista havia ali que pudesse levar à identidade do proprietário anterior»


Cortesia de wikipedia

O Códice
«Assim, o manuscrito no seu estado actual acha-se mutilado, faltando as primeiras 35 folhas. Isso serve como evidência de que a cópia de 1516  foi feita a partir de um original completo.
Na sua forma integral a crónica compreendia treze livros (que é como o seu autor, seguindo critério comum na época, denomina as partes que o compõem) de extensão irregular, num total de 190 capítulos. Ressalvadas mutilações anteriores, as trinta e cinco folhas que nos faltam conteriam a folha de rosto, um possível prólogo do autor (e talvez outro do tradutor), todo o livro primeiro, os sete capítulos iniciais do livro segundo e parte do capítulo oitavo. Faltam-nos também alguns trechos ulteriores, onde o manuscrito sofreu danos ou mutilações, e toda a parte referente à batalha de Poitiers, num total de quatro folhas, que se perdeu por infeliz acidente na Biblioteca Ffowlkes pouco antes da transferência do documento para as minhas mãos.
A cópia quinhentista destinada a salvar para a posteridade a tradução de Hatch foi feita por encomenda de certo Thomas Alfield em 1516. Aqui também devemos essa informação ao próprio códice, pois ali foi consignado pelo próprio Alfield, ao final da transcrição, um registo em latim:
  • “Iste Liber pertinet Thomae Alfieldi, Tewkesbury, Gloucestershire, Gentleman, Quod Thomas Alfield, anno Domini D X VI, Cui scripsit carmen, sit benedictus. Amen.”
O Manuscrito Alfield na América do Norte
Na escassez de informações que paira sobre quase tudo que se refira a La Vraye Cronicque de Malemort e sua tradução quatrocentista para o inglês, pouco se sabe sobre o paradeiro do Manuscrito Alfield desde sua produção sob encomenda em 1516 até à sua aquisição, nos últimos dias do século XIX, ainda na Grã-Bretanha, por um magnata norte-americano, Henry Makepeace Ffowlkes, apaixonado coleccionador de livros e manuscritos antigos. Dificilmente teria permanecido todo esse tempo em poder de alguma instituição académica, onde, cedo ou tarde, teria chamado a atenção de eruditos. Assim, é plausível supor que, à semelhança do que ocorreu com os papéis de Samuel Pepys e James Boswell, por várias gerações tenha sido relegado à gaveta ou ao armário de alguma residência ou mansão inglesa, cujos sucessivos ocupantes pelo menos tiveram o cuidado de garantir-lhe o mínimo de condições necessárias à sua sobrevivência durante quase quatro séculos.
O excêntrico milionário nunca revelou a ninguém a origem de nenhum dos itens de sua riquíssima colecção: até à sua morte manteve o acervo inacessível a investigadores de qualquer categoria e o catálogo sob sigilo absoluto. Mesmo os seus bibliotecários assinavam termo de confidencialidade prevendo severas penas pecuniárias em caso de ‘fuga’ de informação a respeito do acervo. O que não impediu, porém, que a ‘fuga’ de algumas informações que, embora vagas, foram suficientes para despertar junto à comunidade académica a expectativa de eventual acesso a grande número de raridades documentais por ocasião da morte do milionário.
Depois da sua morte, ocorrida em 1948, Quentin Ffowlkes, seu filho único e herdeiro, decidiu-se desfazer da biblioteca paterna leiloando cada peça individual, o que provocou uma corrida académica e institucional pela colecção. Como representante da Universidade Jesuítica de Nova York tive então acesso ao catálogo e, pelo exame dos registos, pude verificar que o Manuscrito Alfield fora incorporado à colecção no ano de 1899; mas nenhuma pista havia ali que pudesse levar à identidade do proprietário anterior.
Por surpreendente iniciativa de Quentin Ffowlkes, o leilão foi cancelado e a Universidade Jesuítica recebeu a Colecção Ffowlkes não por lance mas por doacção (excepto o Manuscrito Alfield). Também por espontânea decisão dele, esse precioso documento foi separado da colecção e confiado a mim na condição de responsável pela sua edição crítica, incumbência que só aceitei com extrema relutância, depois de tê-la inicialmente declinado por questões pessoais.
O meu trabalho de edição, iniciado três anos atrás, quando recebi o manuscrito, está previsto para ser concluído dentro de mais três anos. Minha intenção é preparar uma ampla e confiável edição crítica, com vasta introdução filológica e histórica, texto crítico, e profusas notas de rodapé; como contemplo uma edição fac-similar acompanhada da transcrição correspondente, estimo que a obra ocupará pelo menos três volumes. Até agora fiz a transcrição integral do conteúdo do manuscrito e preparei cerca de setecentas notas (dois terços do total previsto), ainda sujeitas a uma revisão final. Espero que essa edição possa contribuir para promover estudos em todo o mundo sobre a província de Niniven durante a dinastia nalesiana. Tal é o objectivo maior com que me dedico ao projecto de publicação da versão em inglês médio de La Vraye Cronicque de Malemort. In Kathryn Lyell Thornham, Universidade de Santo Agostinho, Houston, Texas, USA.

In Alan Dorsey Stevenson, O Manuscrito Alfield, A Folha de Hera, Jazzseen, Julho de 2012, Vitória Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo, Biblioteca Pública do Espírito Santo, 2011.

Cortesia de Jazzseen/JDACT