domingo, 18 de novembro de 2012

Há dias assim… Poesia (que bem faz…). Alexandre O’Neill. «A percepção artística é entendida como um acto afectivo, para contactar com a obra é preciso ‘amar primeiro’. A poesia de Alexandre O’Neill está ‘instalada’, definitivamente, na História da Literatura»

Cortesia de wikipedia

Deixa
À tua mãe o marfim crucificado
ao teu pai o vício mais ronceiro
e a quem quiser
os lindos pentes da virtude.

Frases célebres
todas
e não esqueças aquela
que diz assim:

Pais
que fazeis?
Os Vossos Filhos
não são tostões.
Gastai-os depressa!

Deixa também a ilusão de que te amaram
àquelas duas que ali não vês.

Só no tempo em que os suicidas
como os animais falavam
valia a pena desiludir.

Deixa ainda
o que a álgebra mais secreta
decidiu a teu favor

A sombra que projectaste
talvez alguém a resolva
num diamante cruel.

Canção
Que saia a última estrela
da avareza da noite
e a esperança venha arder
venha arder em nosso peito.

E saiam também os rios
da paciência da terra
É no mar que a aventura
tem as margens que merece.

E saiam todos os sóis
que apodreceram no céu
dos que não quiseram ver
- mas que saiam de joelhos.

E das mãos que saiam gestos
de pura transformação
Entre o real e o sonho
seremos nós a vertigem.

Poemas de Alexandre O’Neill, in ‘Tempo de Fantasmas’, 1951

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