sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Portugal. A Terra e o Homem. David Mourão-Ferreira. «Vejo campos elísios de verdura, serras azuis de infinda suavidade; e a serra do Gerês, com seus altos baluartes esculpidos a pancadas de chuva e de granizo e a golpes de relâmpagos»

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Painel
Num cerro do Marão,
estranha luz meus olhos deslumbrou;
e em corpo de lembrança divaguei
além dos horizontes,
e toda a pátria terra percorri,
e o mar e o céu azul,
onde os anjos da velha Lusitânia
voam como através da nossa fantasia.

Vejo campos elísios de verdura,
serras azuis de infinda suavidade;
e a serra do Gerês,
com seus altos baluartes esculpidos
a pancadas de chuva e de granizo
e a golpes de relâmpagos.
Vejo rios dormentes,
misteriosos vales, que se alargam
em cultivadas várzeas;
ovelhinhas pastando em místicos outeiros
e pastores tangendo a flauta do deus pã;
meda de palha nos eirados,

Velhas choupanas que fumegam;
sobre o quinteiro, à porta, uma ramada verde,
e, mais em baixo, num recanto escuro,
uma bica de pedra a deitar água fresca
num cântaro de barro.

E em lugares sinistros,
que o medo despovoa,
arruinados solares, onde habitam
fantasmas e corujas, quando a Lua
derrama, na solidão extática das noites,
não sei que frio alvor e que tristeza de alma.

Praias de espuma e névoa, incêndios de oiro, à tarde,
entre pinhais, fugindo, desgrenhados,
na direcção do vento…

E cidades, vivendo protegidas
por santos tutelares:
Viana e Santa Luzia e Braga e o Bom Jesus,
e Guimarães aos pés dum Pio IX em pedra,
católica e romana.

E o Porto de Herculano,
Como Lisboa é de Garrett.
Lisboa em gesso branco, o Porto em pedra escura,
sobre os abruptos alcantis do Douro;
esse rio que vem de longe, solitário,
cobrir-se de asas brancas de navios
e de negros canudos de vapores.
Encostados aos cais, depõem a férrea carga.
Outros, vão demandando a barra e o farolim,
que dá uma luz, tão triste! Em noites invernosas.
Poema de Teixeira de Pascoaes, in ‘Portugal, a Terra e o Homem

continua
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