segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O Cavaleira da Águia. Fernando Campos. «Gonçalo fica ao lado de Buthayna. E o coração de Gonçalo palpita mais depressa, de trote entra em galope desenfreado. Não é o diadema de fina renda de pedras preciosas, é a noite do cabelo a cair em cachos rolados sobre os ombros macios…»

A morte do Lidador. Cortesia de purl
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«Quando a nova correu da morte misteriosa do rei Sancho, logo os seus generais levantaram o cerco a Zamora. Compreenderam, com todos os senhores e povos das Espanhas, ser Alfonso o natural herdeiro dos domínios de el-rei Fernando Magno-Sancho morrera sem deixar geração e as vozes foram unânimes, desde a grande Galiza, Leão e Castela e a parte de Navarra até ao Ebro, em nomear Alfonso o seu soberano. Mas Castela, pela voz de Rodrigo Díaz de Bivar, pôs condição:
 - Alfonso deverá fazer solene juramento de que não teve parte no aleivoso assassínio do irmão. - Apoiado! - Clamaram os seus pares, as espadas erguidas.
Alfonso, mal por sua irmã Urraca teve conhecimento do que se passara, saiu de Toledo e estava em Santa Gadea, de Burgos, quando chegaram doze cavaleiros castelhanos, encabeçados pelo Cid, para lhe tomar juras tão terríveis que ao próprio rei geram espanto.  - Alfonso - adiantou-se Rodrigo Díaz, se queres te aceitemos como rei de Castela, terás de jurar sobre os santos Evangelhos que não intervieste na treda morte de teu irmão, o nosso bom rei Sancho.
 - Como poderia eu ter intervindo no assassínio de meu irmão, se me encontrava longe de Zamora, no meu exílio de Toledo? - Jura sobre o livro sagrado. E maldito sejas tu nas profundas do Inferno, se jurares falso.
Alfonso avança solene para o altar, onde, sobre alvíssima rendilhada toalha de linho pousava luxuoso volume encadernado de couro com pregueamentos de ouro e tauxias de pedras preciosas. Estende a mão sobre o livro e a sua voz clara e firme ecoa pelo templo:
 - Pela salvação da minha alma, juro solenemente sobre os santos Evangelhos não ter tido parte na triste morte de meu irmão Sancho. Ajoelhou Rodrigo e aos pés de Alfonso depôs sua espada e beijou a fímbria da veste do rei: - A teus pés, meu senhor e meu rei, o teu fiel servidor. Todos os outros castelhanos, a uma voz, lhe juraram fidelidade e o aclamaram rei de Castela.

Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador. Cortesia de heroismedievais
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Ao sul, a Sevilha, vai Gonçalo Mendes com seus cavaleiros, para acompanhar de volta à Galiza o rei García. Al-Mutâmid faz gala em dar festa de despedida ao seu hóspede real. Banquete sumptuoso, os comensais sentados em coxins, em roda, na vasta sala de colunas, no centro branda poesia ao som de cítara e alaúde, bailam balanços lentos de anca, ventres femininos, ondeiam hastes de braços, mãos, dedos, véus transluzentes mal desvendam mimos de luxúria. Rei al-Mutâmid tem à sua direita rei García, à esquerda a linda rainha Itimâd. Rodeiam-nos os filhos: Sirâj ad-Dawla, o primogénito, Ar-Rashid, Ar-Râdi Yasïd, Al-Mamún al-Fath que tem ao lado a bela esposa Zaida, Abd-al-Jabbâr, Al-Mutâd Abd Allâh, Al-Matamâd, Yahyâ, flakamât, lbn Abbâd, Abü Hashim, Zin ad-Dawla e a formosíssima Buthayna.
Segue-se Gonçalo e seus cavaleiros, o grão-vizir, os ministros. Gonçalo fica ao lado de Buthayna. E o coração de Gonçalo palpita mais depressa, de trote entra em galope desenfreado. Não é o diadema de fina renda de pedras preciosas, é a noite do cabelo a cair em cachos rolados sobre os ombros macios; não é o brilhante na testa de ouro, é o poço dos olhos; não são os brincos de diamantes, mas o recorte, o acetinado da orelha; não é o colar de pérolas, antes o torneado do colo; não o alfinete de prata a fechar o decote, mas sim o leite entrevisto do busto; e os braços roliços e as mãos esguias e a ânfora do corpo e o perfume a sândalo que dele se exala...
 - Eu te digo, rei García. Mais do que guerrearmo-nos, devíamos era tratar de povoar essas terras imensas. Mal se sai das muralhas das cidades, que é que se vê? - Tens razão, al-Mutâmid: a desolação, o enorme descampado, o brejo a perder de vista... A selva, os campos por cultivar, as minas por explorar... O mar infestado de piratas normandos que nos saem impunes pelas terras ribeirinhas e atacam e pilham e devastam as povoações indefesas...
 - Ainda há pouco tiveram o arrojo de entrar Guadalquivir adentro e chegar até aqui às portas da cidade... E al-Mutâmid, ia em seu coração secretamente pensando que se impunha reforçar e renovar a armada que herdara dos califas, os arsenais de Sevilha, de Alcácer, de Setúbal...» In Fernando Campos, O Cavaleiro da Águia, Difel, 2005, ISBN 972-29-0735-2.

Cortesia de Difel/JDACT