segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Ensaios. O Liber Fidei. Universidade do Minho. «… e mau grado rectificações a introduzir, ainda é ‘o único manual que procura descrever em conjunto a gramática da língua em que estão escritos os textos da primeira época’ do galego-português»

Cortesia de wikipedia

O Liber Fidei e o seu contributo para uma protogramática do Português
«A escolha, para algumas breves reflexões linguísticas, desta colectânea que ‘pelo número, antiguidade e valor dos documentos transcritos é o maior e o mais importante cartulário português e um dos mais notáveis da Europa’, decidiram-na não propriamente estes epítetos de tão extraordinária individuação, mas os trinta anos de trabalhos despendidos, não obstante os decorrentes da sobrecarga de leccionação e investigação, pelo Doutor Avelino de Jesus da Costa no intuito de prendar a alta cultura com a edição crítica, em três tomos (I, 1965; II, 1975; III, 1990) desse monumento cujo original foi pertença do Cabido da Sé de Braga, donde transitou para a Biblioteca e Arquivo Distrital, hoje incorporados na Universidade do Minho.
Compõem o Liber Fidei 954 textos, inclusive os repetidos, com um âmbito cronológico estendendo-se desde o ano 569 até 1253, dado que o último daqueles não passa de rápido termo de aceitação, em vernáculo, de um ‘Breve de Clemente X’, de 1712, cuja transcrição parou nas primeiras cinco palavras latinas. Curiosamente se recorda que os Diplomata et Chartae agrupam 952 documentos, menos dois portanto que o célebre cartulário de Braga, iniciado provavelmente no século XII. Repositórios de variadíssimas informações, os cartulários, cujo espécime mais antigo é germânico de três séculos antes, tornam-se mais frequentes a partir do undécimo, de tal modo que, duas centúrias volvidas, possuíam tais instrumentos notariais os bispados, cabidos, colegiadas, abadias e mosteiros, casas senhoriais e ordens militares, universidades e outras instituições como igrejas e capelas, confrarias, hospitais e leprosarias, associações de mesteres e corporações municipais.
Não existe um inventário geral dos cartulários da Idade Média, mas eles foram numerosos. Só na Bibliographie générale des cartulaires français, de Stein (1907) atingem a cota de 4522. Já, porém, em 1847 saía em Paris o Catalogue générale des cartulaires des archives départementales; e desde 1889 Dinifle e Chatelain se ocupavam do bem provido cartulário da Sorbona. Entre nós, o maior empreendimento algo congénere e quase coevo pertenceu a Herculano e à Academia Real das Ciências, através dos Portugaliae Monumenta Historica, que desde 1856 até 1888 se enriquecia com quatro grandes tomos. Na Espanha o interesse desperta-o mormente o índice cronológico do Cartoral de Carles Many a la catedral de Gerona, de Botet y Sisó (Barcelona, 1905-1908), com 637 escrituras dos séculos IX a XIV, porque logo depois, em 1910-1911, vem a lume o Cartulario del Monasterio de San Cugat del Vallés (3 vols.), embora seja já de 1891 a edição do de Santa Maria de Silos, da responsabilidade de Ferotin.
Quando em 1933 Joseph Huber publicou o seu Altportugiesisches Elementarbuch, lançado pela Fundação Gulbenkian em 1990, a documentação especial a que pôde ater-se não foi muito além da reunida por Herculano. Hoje encontraria muito mais: entre outros, os 314 textos do Baio-Ferrado do Mosteiro de Grijó, não obstante 33 deles já coligidos nos Diplomata et Chartae (1867) e três (aliás, bulas pontifícias) aproveitados por Carl Erdmann; e, evidentemente, os 953 do Liber Fidei, descontados alguns que conheceu por outras vias.

NOTA: Note-se que Carl Erdmann transcreveu também diversos documentos do Liber Fidei, e muitos mais o Abade de Tagilde em Vimaranis Monumenta Historica, fontes estas não utilizadas por Joseph Huber; o mesmo se diga de António Brandão, Contador de Argote, Alberto Feio e outros, que Huber não cita.

Apesar disso e mau grado rectificações a introduzir, ainda é ‘o único manual que procura descrever em conjunto a gramática da língua em que estão escritos os textos da primeira época’ do galego-português, como sublinhou Lindley Cintra nas “Palavras Prévias” da edição da Gulbenkian». In Amadeu Torres, texto publicado na revista Theologica, 2ª série, 28, 2, 1993, Letras e Letras, Universidade do Minho.

Cortesia Letras e Letras/JDACT