quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A Comenta Secreta. Que segredos guardam Afonso Henriques e o mestre templário Gualdim Pais? Maria João Pardal e Ezequiel Marinho. «As duas portas do salão abriram-se de par em par. Um homem alto, esguio, de barba rala, ar frio e distante entrou na sala. Ao ver aquele padre vestido de negro, o rei teve um sobressalto»

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«Já se fazia tarde e El-Rei Afonso convidou-os para manjarem. Sobre a mesa estavam grossas fatias de pão que iriam comer com vitela assada. Os hábitos rudes faziam com que utilizassem as mãos no manjar da iguaria. Regaram-na com vinho. O cheiro a cão sobrepunha-se ao da carne assada. Os animais, com as patas, tentavam tirar os restos de comida do soalho. Como estava frio tinha sido colocada palha no chão, mas esta estava impregnada de diferentes cheiros.
- Então digam lá, suas cabeças buenas... o que vão fazer? - perguntava Afonso, enquanto atirava um grande osso aos cães, que guerreavam entre si rosnando e soltando alguns latidos. Bernardo de Trava suscou os dentes com a língua, limpou a boca à manga do gibão, bebeu um trago de vinho, alrotou, e disse:
 - Bom, vamos organizar uma peregrinação a S. Vicente de Lixbuna, passando pelo mosteiro de Cister em Al-Cobaxa, e vamos saber o que se passa ... a única maneira de sermos discretos é passarmos por gente do povo.
 - Preocupem-se mas é com o que se passa à volta dos monges de Cister!!!... Nós também os cá temos e ouço muitas coisas! - disse El-Rei. Subitamente um criado entrou na sala e segredou algo a Fernandizi.
 - Que se passa hombre??? - perguntou Sua Majestade, El-Rei Afonso, a Ponce Fernandizi. Senhor meu Alfonso... chegou um emissário de Roma respondeu-lhe o anfitrião.
As duas portas do salão abriram-se de par em par. Um homem alto, esguio, de barba rala, ar frio e distante entrou na sala. Ao ver aquele padre vestido de negro, o rei teve um sobressalto. As botas negras ressoavam no chão de madeira. - Senhor meu Alfonso - saudou o eclesiástico, baixando ligeiramente a cabeça, em tom de reverência. - Um só reino e uma só religião!... Posso tomar lugar à vossa mesa? - perguntou.
O rei levantou-se e os restantes ficaram mudos de susto. - Senhor frei Raimundo, tomai assento - disse o monarca.
O homem sentou-se e descalçou as luvas negras, que colocou em cima da mesa. Enquanto comia frugalmente ninguém dizia palavra. Todos se olhavam com desconfiança, sorrindo entre dentes. De repente o silêncio foi interrompido:
 - Que novas me contais desde a última visita? – perguntou frei Raimundo, enquanto estalava os dedos das mãos. - Bom, Senhor Raimundo. O rei não se mostrou muito seguro. - Não sabeis, Vossa Majestade?... Digo-vos eu. O herético do vosso primo anda a fazer pactos com as trevas. Há vinte anos que nomeou um Bispo Negro, um moçárabe e obrigou, à força da espada, o legado do papa a retirar-lhe a excomunhão. Em vez de esmagar os culpados da morte de Nosso Senhor Jesus Cristo dá-lhes prerrogativas. Até tem um que lhe trata das finanças. A Santa Igreja não está contente! - subitamente, deu um murro na mesa, fazendo estremecer todos os presentes.
 - E os vossos druidas galegos estão bons? - perguntou. - Não tenho conhecimento que haja druidas e bruxas no meu reino... atreveis-vos a duvidar de mim?!!! - exclamou El-Rei Afonso. - Claro que não, Majestade! - disse Raimundo, enquanto cofiava o queixo. - Não vos esqueçais que faz frio e as fogueiras aquecem. É preciso proteger os pescoços, podeis constipar-vos! - ameaçou, em tom irónico.
 - Mas ao que vindes?... Deixai-vos de histórias... – O monarca Afonso começava a ficar perturbado com aquela visita.
- Venho avisar-vos, pessoalmente, para que cuideis bem de Compostela, Majestade. É um lugar da igreja romana!... Tende cuidado convosco. Podeis ser excomungado!... Não vos esqueceis que sem religião, não tendes reino, Vossa Alteza.
 - Mas, Senhor Raimundo, continuamos a praticar o Ordálio (julgamento de hereges, técnica de execução pela água e pelo fogo) - ripostou o rei. - Bem sei, D.Majestade, bem sei Vossa Majestade... mas os portucalenses têm documentos que devem ser destruídos! Lembrai-vos que antes de Roma existiram mais três impérios, que se digladiaram, e o cristianismo ainda não é, a religião universal, Vossa Alteza! Os Templários sonham com um novo império... o quinto... Começais a perceber-me Majestade? - o seu tom maquiavélico soava de forma inequívoca.
El-Rei Afonso levantou-se lívido e disse: - Senhores, vou retirar-me... Tenho de ir para Zamora, portanto... boas noites a todos! Senhor Ponce com a vossa licença... meus senhores...
 - Acompanho-vos aos vossos aposentos, Majestade… afirmou Ponce Fernandizi, o anfitrião. Os nobres soergueram-se e quando o rei saiu, voltaram a sentar-se. Os irmãos Trava aproveitaram o momento:
 - Nós também saímos. Já se faz tarde! - disseram. Fernão virou-se para Bernardo e disse-lhe em sussurro:
 - A nossa Galiza vai morrer às mãos dos Castelhanos ! Começo a ter inveja dos homens de Afonso Henriques!» In Maria João Martins Pardal e Ezequiel Passos Marinho, A Comenda Secreta, Ésquilo, Lisboa, 2005, ISBN 972-8605-58-7.


Cortesia de Ésquilo/JDACT