sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Considerações e Outros Temas. Agostinho da Silva. «… esse povo estranho era apaixonado da ideia, atropelava-se à eloquência dos sofistas, tinha a tribuna do ‘ágora’, a assembleia do povo como a pedra de toque dos condutores políticos; e mais os devem espantar, com aquele espanto que vem da ignorância…»


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In Negotium
Há obras que tentam construir a imagem do mundo dos insectos e do mundo dos peixes, mostrando-nos como eles o vêm e utilizam. Igualmente seria interessante que se estudasse o mundo dos homens de acção, dos que foram talhados para se deleitar no fenómeno e se banhar de realismo em todos os sectores da vida; aquele que um dia o escrever não deverá deixar de incluir no volume um capítulo sobre a visão que têm da Grécia; a avaliar pelo que disse um dos grandes, extraordinariamente sábio e divinamente inspirado, sobre a República, que julgou ser a crónica de uma experiência comunista realizada na antiguidade, as relações pessoais entre os gregos e os homens de acção não parecem demasiado íntimas; em todo o caso seria proveitoso e pitoresco investigá-las.
Estou em crer que admiradores dos romanos das pontes e calçadas, o romano do ius é outra história, a sua atitude perante o grego é sobretudo uma atitude de desprezo: esse povo estranho era apaixonado da ideia, atropelava-se à eloquência dos sofistas, tinha a tribuna do ‘ágora’, a assembleia do povo como a pedra de toque dos condutores políticos; e mais os devem espantar, com aquele espanto que vem da ignorância e da incompreensão, a fecunda indolência, o nobilíssimo ócio em que os helenos se souberam manter; para os que apenas sonham com regulamentos, horários e automatismos semelhantes tal vida de caprichosa liberdade, de contemplação aristocrática, de largas discussões filosóficas, de obstinada recusa em ser escravo de tempo e de dinheiro, aparece decerto como um escândalo que o Senhor devia ter expungido da face da terra com imprecações e grande fogo de enxofre; outro escândalo ainda o surgirem na época actual homens que mantêm o mesmo ponto de vista, que sonham com o século em que seja possível, feito rapidamente, em parte mínima do dia, o trabalho material que houver a realizar, entregarmo-nos depois todos à divina ocupação de reflectir e discutir, de passar em revista as doutrinas dos sábios e os interesses da cidade, de inventar, destruir e recompor o mundo dos sentidos e o mais puro universo das ideias». In Agostinho da Silva, Considerações e Outros Textos, Editorial Minerva, Alfinete 4, Assírio e Alvim, 1988.

continua
Cortesia Assírio e Alvim/JDACT