sábado, 18 de agosto de 2012

Bento de Jesus Caraça. Conceitos Fundamentais da Matemática. «Se tudo depende de tudo, como fixar a nossa atenção num objecto particular de estudo? Temos que estudar tudo ao mesmo tempo? Mas qual é o cérebro que o pode fazer? Por outro lado, se tudo ‘devém’, como encontrar, no mundo movente da fluência, os factos, os seres, os próprios objectos do nosso estudo?»


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Dificuldades
«Comecemos por observar que as duas características fundamentais que apontámos, ‘interdependência e fluência’, _nos colocam em sérios embaraços ao pretendermos empreender o estudo de qualquer facto natural.
Se tudo depende de tudo, como fixar a nossa atenção num objecto particular de estudo? Temos que estudar tudo ao mesmo tempo? Mas qual é o cérebro que o pode fazer?
Por outro lado, se tudo ‘devém’, como encontrar, no mundo movente da fluência, os factos, os seres, os próprios objectos do nosso estudo?
Veremos, como os homens da ciência conseguiram encontrar os métodos de investigação que permitem fazer o estudo da realidade fluente.
Agora, vamos ocupar-nos do primeiro grupo de perguntas, as referentes à interdependência.

Noção de isolado
Na impossibilidade de abraçar, num único golpe, a totalidade do Universo, o observador ‘recorta, destaca’, dessa totalidade, um conjunto de seres e factos, abstraindo de todos os outros que com eles estão relacionados. A um tal conjunto daremos o nome de ‘isolado’; um ‘isolado’ é, portanto. Uma ‘secção’da realidade, nela recortada arbitrariamente. É claro que o próprio facto de tomar um ‘isolado’ comporta um erro inicial, afastamento de todo o resto da realidade ambiente, erro que necessariamente se vai reflectir nos resultados do estudo. Mas é do bom-senso do observador recortar o seu ‘isolado’ de estudo, de modo a compreender nele todos os factores dominantes, isto é, todos aqueles cuja acção de interdependência influi sensivelmente no fenómeno a estudar. De que nem sempre isso se consegue, a história da Ciência e a vida de todos os dias oferecem múltiplos exemplos. Quantas vezes, na observação de um certo fenómeno ou no decurso duma dada acção, surge um facto inesperado. Que quer dizer ‘inesperado’? Que o ‘isolado’ não fora convenientemente determinado, que um factor dominante estava ignorado e se revela agora. Será preciso acrescentar que no aparecimento do ‘inesperado’ reside um dos motivos principais do progresso no conhecimento da realidade, porque, obrigando a uma melhor determinação do ‘isolado’, exige um mais cuidadoso exame das condições iniciais?
Muitas vezes, o estudo encaminha-se de modo que há necessidade de tomar um ‘isolado’ como elemento constitutivo de um outro mais largo.
Por exemplo, após ter tomado como ‘isolado’ cada um dos órgãos duma árvore e estudado a sua fisiologia particular, constitui-se um ‘isolado’ superior, árvore e terreno, no qual se estudará a vida fisiológica da árvore. Por sua vez, a árvore pode ser tomada como uma unidade dum novo ‘isolado’ mais largo, uma floresta, a flora duma certa região, etc. quer dizer, para a recomposição dum certo compartimento da Realidade, é necessário constantemente construir ‘cadeias’ e a cada elo da cadeia corresponde um ‘nível de isolado’.


Noção de qualidade
O conceito de ‘qualidade’, é dado ao ‘conjunto de relações em que um determinado ser se encontra com os outros seres dum agregado, chamaremos as qualidades desse ser’.
Temos agora que dar maior precisão a esse conceito, porque ele importa grandemente para o que vai seguir-se.
Sejam A e B dois componentes dum ‘isolado’; entre eles existem relações de interdependência. Consideremos uma dessas relações; nela podemos distinguir dois ‘sentidos’: um de A para B, o outro de B para A; diremos, do primeiro sentido, que tem ‘antecedente’ A e ‘consequente ‘ B, do segundo, que tem ‘antecedente’ B e ‘consequente’ A; distingui-los-emos respectivamente pelas notações: ‘sentido de relação’ A→B e ‘sentido de relação’ B→A». In Bento de Jesus Caraça, Conceitos Fundamentais da Matemática, Tipografia Matemática, Lisboa, 1951.

continua
Cortesia da Tipografia Matemática/JDACT