terça-feira, 21 de agosto de 2012

A Geração de 70 - Uma Revolução Cultural e Literária. Álvaro Manuel Machado. «Mas 1889 é uma data já adiantada no desencadeamento e desenvolvimento das ideias revolucionárias que formaram a Geração de 70. É uma data que marca já muita renúncia no plano da acção política, social e mesmo cultural»


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A Geração de 70 e a Burguesia «fin-de-siècle»
«Por outro lado, que trazia esse progresso da burguesia pré-industrial portuguesa à cultura? Haveria verdadeiro desenvolvimento do ensino, um aperfeiçoamento dos
meios de comunicação social, uma abertura a outras culturas, uma viva curiosidade intelectual? Não. Pelo contrário: esse progresso, aliás provinciano, da época da Regeneração nada representou como desenvolvimento cultural. E, com o rodar dos anos, até ao fim do século e à agonia da monarquia, mais e mais o ambiente cultural se foi degradando. E com ele o ambiente político e social.
Assim, Eça de Queirós, num dos seus primeiros textos publicados e também dos mais característicos do seu estilo e do état d’âme da sua geração, evocava, em Outubro de 1867, uma Lisboa com ‘meiguices primitivas de luz e de frescura’ que, ao contrário das activas Paris, Londres, Nova Iorque, Berlim, ‘não tem que semear: ressona ao sol’; uma Lisboa que ‘nem cria nem inicia: vai’. Em suma:
  • uma Lisboa que, à imagem de todo o país, tem ‘um frio senso prático, a preocupação exclusiva do útil, uma seriedade enfática, e a adoração burguesa e serena da moeda’; 
  • uma Lisboa que, como o resto do país, ‘não tem alma’.
O tédio invadia a capital e contaminava novos e velhos. O baixo nível cultural era mascarado por uma imitação grotesca da vida nos grandes centros mundanos europeus, imitação, antes de mais, de Paris, de que o Chiado é uma ridícula amostra.
Havia assim todo um demi-monde cuja vida, como diz José-Augusto França, ‘animada por (...) grisettes e pelo espírito canalha das bailarinas de can-can dos cafés-concerto ou ainda por pobres lorettes nacionais, de que se procurava estabelecer uma fisiologia assaz inverosímil, era todavia bem sórdida’.
O pretenso progresso, em nada servia nem a cultura nem, de uma maneira geral, o desenvolvimento social e a vitalidade política do país. O progresso, aliás, foi uma das coisas mais paradoxalmente atacadas por essa Geração de 70, que contra este ambiente de modorra e de degradação se revolta em nome de uma dinâmica da história à qual o progresso, com os seus lados positivos e os seus lados negativos, está inevitavelmente ligado. Teremos, mais adiante, oportunidade de analisar detidamente este tema, abordado pelos diferentes representantes da Geração de 70. Mas note-se desde já o que sobre o progresso escreveu Oliveira Martins, referindo-se, e como este texto é ainda actual!... aos seus malefícios, não só em Portugal mas também nos grandes países de plena expansão industrial:
  • «O triunfo quase insolente do progresso material, a apoteose quase cega da vida, o delírio do prazer, nessa pândega internacional, em que, do Norte e do Sul, do Nascente e do Poente, os povos todos do mundo se associam, atulhando comboios e vapores, precipitando-se por terra e por mar, despejando-se nas ruas, vazando os bolsos, extenuando-se, endividando-se, parece-nos que, sem preocupações de moral rabugenta, está indicando a quem o observa um estado de inconsistência e desnorteamento neste fim de século. Talvez o homem tenha vencido em demasia. (...) As nações todas, e muito mais as democracias, procedem como elementos ou forças físicas, obedecendo a leis que saem das correntes chamadas de opinião e que as mais das vezes são o contrário de uma opinião, porque são uma vertigem, o que os franceses dizem emballement. (...) E, por trezentos metros que tenha, como tem, a torre Eiffel, nem lá do alto se pode ver o futuro: apenas se vê o formigueiro de gente ávida de prazer, cega de curiosidade, morta de canseira, revolvendo-se nas ruas, nos passeios e nos quiosques da grande Feira do ano de 1889».
Mas 1889 é uma data já adiantada no desencadeamento e desenvolvimento das ideias revolucionárias que formaram a Geração de 70. É uma data que marca já muita renúncia no plano da acção política, social e mesmo cultural. Portanto, vejamos primeiro quais os factores históricos principais, referentes não só a Portugal mas também ao resto do mundo, que determinaram a formação dessa geração decisiva para a cultura portuguesa». In Álvaro Manuel Machado, A Geração de 70 - Uma Revolução Cultural e Literária, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Centro Virtual Camões, Instituto Camões, Livraria Bertrand, 1986.

Cortesia do Instituto Camões/JDACT