terça-feira, 14 de agosto de 2012

A Geração de 70 - Uma Revolução Cultural e Literária. Álvaro Manuel Machado. «… período que vai, grosso modo, de 1851, isto é, da revolta militar que levou ao poder o marechal Saldanha, até à proclamação da República, em 1910, a Regeneração divide o século XIX português em duas partes distintas»


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Geração e Élite
«Assim, serão considerados como pertencentes à Geração de 70 sobretudo os que a ‘geraram’ no plano das ideias e não os que a ela eventualmente aderiram, prolongando-a historicamente. Isto significa que à Geração de 70 pertencem, antes de mais, Antero de Quental, Eça de Queirós e Oliveira Martins. Nesta perspectiva, só secundariamente a ela pertencerão Ramalho Ortigão e, ainda mais secundariamente, um Teófilo Braga, um Gomes Leal, um Guerra Junqueiro, um Jaime Batalha Reis, um Guilherme de Azevedo, um Alberto Sampaio ou ainda um Adolfo Coelho, pedagogo eminente, ou um Augusto Soromenho, professor do Curso Superior de Letras, os quais, no entanto, participaram nas primeiras “conferências do Casino”.
Em suma, haverá uma escolha rigorosa em função das obras criadas e das repercussões culturais dessas obras na sua época e actualmente. Uma revolução cultural é, sem dúvida, feita de múltiplas contribuições, mais ou menos perduráveis. Mas raríssimos serão, afinal, os seus verdadeiros mentores, aqueles que, formando uma ‘élite’ como iniciadores, ficam para a posteridade, não só no confinado domínio da cultura portuguesa como, sobretudo, no mais vasto domínio do grande saber universal.

A Geração de 70 e a Burguesia «fin-de-siècle»
«Para um homem, o ser vencido ou derrotado na vida depende, não da realidade aparente a que chegou, mas do ideal íntimo a que aspirava».  
Eça de Queirós, in Cartas inéditas de Fradique Mendes e mais páginas esquecidas.

Ao analisarmos o período da história de Portugal em que nasceram, viveram, criaram as suas obras e morreram os representantes principais da chamada Geração de 70, haverá que evocar antes de mais os elementos históricos de base da Regeneração.
Período que vai, grosso modo, de 1851, isto é, da revolta militar que levou ao poder o marechal Saldanha, até à proclamação da República, em 1910, a Regeneração divide efectivamente o século XIX português em duas partes distintas. Ela separa o período de ideias revolucionárias do primeiro romantismo de Herculano e de Garrett, um período em que predomina a instabilidade política, social e económica, do período que se caracterizou essencialmente por uma estabilidade ligada intimamente ao pré-industrialismo. O mentor desse pré-industrialismo não foi só António Maria Fontes Pereira de Melo, esse político da industrialização que criou em 1852 o Ministério das Obras Públicas, do Comércio e da Indústria, que mandou construir quatrocentos quilómetros de estradas, uma dezena de pontes e a primeira linha do caminho de ferro, entre Lisboa e o Carregado (1856), e que deu igualmente um impulso decisivo ao ensino técnico, agrícola e industrial.
O mentor desse pré-industrialismo foi também o próprio rei Pedro V (1853-1861), o qual, apesar da sua breve existência, soube como nenhum outro voltar-se para o futuro, criticando com lucidez o presente, isto é, o espírito retrógrado da sociedade portuguesa de então. Prova-o, por exemplo, o que Pedro V diz sobre essa sociedade numa carta escrita em francês ao Príncipe Alberto:
  • ‘...une société profondément démoralisée par le souvenir cuisant de son ancienne grandeur et par la vue de sa déchéance, vieillie par une enfance de plusieurs siécles, ayant perdu son temps et voulant le regagner tout d’un coup, écrasée par sa chute envers le passé et envers l’avenir’.
Opondo-se, pelas suas exigências intelectuais e éticas, ao pragmatismo burguês, ao mercantilismo sem escrúpulos de Fontes Pereira de Melo, o rei Pedro V nem por isso acreditou menos do que ele no progresso.
Ora, como se processou e quais foram as consequências desse progresso em que se empenhou a burguesia pré-industrial portuguesa da Regeneração até ao final do século XIX?

Três mulheres no poço, Picasso, 1921
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Antes de mais, notem-se os inconvenientes desse pretenso progresso, rigorosamente apontados por António Sérgio, isto é:
  • ‘O regresso à política do Transporte, quando o necessário, afinal, era reformar e reforçar a actividade da Produção. O caminho de ferro, levando subitamente às nossas aldeias a produção estrangeira mais barata, tinha como resultado prejudicar a nossa, já que lhe não davam, a esta, incentivos e aperfeiçoamentos que a habilitassem a superar os efeitos daquele progresso das comunicações’.
O que significa que, pervertida a intenção revolucionária, anuladas as grandes reformas liberais de Mouzinho da Silveira, o país foi dominado pelos vícios do parasitarismo económico da burguesia capitalista, isto sem sequer se aproveitar da grande expansão da produção industrial que caracterizou a segunda metade do século XIX nos países mais desenvolvidos da Europa». In Álvaro Manuel Machado, A Geração de 70 - Uma Revolução Cultural e Literária, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Centro Virtual Camões, Instituto Camões, Livraria Bertrand, 1986.

Cortesia do Instituto Camões/JDACT