quarta-feira, 11 de julho de 2012

Um Eremita em Paris. Italo Calvino. «Todos foram demasiado favoráveis para com os meus livros, desde o início, desde os nomes mais autorizados até aos jovens da minha geração. Os pouquíssimos críticos desfavoráveis são os que mais me intrigam, e de quem espero mais; mas uma crítica negativa que seja séria e profunda, e que me ensine coisas úteis»


Cortesia de wikipedia

O Escritor e a Cidade
«Se admitirmos que o trabalho do escritor pode ser influenciado pelo ambiente em que se efectua, pelos elementos do cenário circundante, então teremos de reconhecer que Turim é a cidade ideal para o escrever. Não sei como se pode escrever numa dessas cidades em que as imagens do presente são tão subjugantes, tão prepotentes, que não deixam uma margem de espaço e de silêncio. Aqui em Turim consegue-se escrever porque o passado e o futuro têm mais evidência que o presente, e as linhas de força do passado e a tensão para o futuro dão concretude e sentido às discretas e ordenadas imagens do hoje. Turim e urna cidade que convida ao vigor, à linearidade, ao estilo. Convida à logica, e através da lógica abre caminho à loucura.

Respostas de Italo Calvino ao inquérito de “Il Caffè”
Nasci a l5 de Outubro de 1923 em Santiago de Las Vegas, uma aldeia perto de Havana, onde o meu pai, lígure de Sanremo, agrónomo, dirigia uma estação experimental de agricultura, e a minha mãe, sarda, botânica, era sua assistente. De Cuba não me lembro de nada, infelizmente, porque em 1925 já estava em Itália, em Sanremo, para onde o meu pai voltou com a minha mãe para dirigir uma estação experimental de floricultura. Do meu nascimento ultramarino apenas conservo um dado do registo civil difícil de transcrever, uma bagagem de memórias familiares, e o nome de baptismo, inspirado na ‘pietas’ dos emigrantes em relação aos seus Lares e que na pátria pelo contrário ressoa brônzeo e carducciano. Vivi com os meus pais em Sanremo até aos vinte anos, num jardim de plantas raras e exóticas, e pelos bosques do interior com o meu pai, velho e incansável caçador.
Quando cheguei à idade de ir para a Universidade, inscrevi-me em Ciências Agrárias por tradição familiar e sem vocação, mas já tinha a cabeça nas letras. Entretanto deu-se a ocupação alemã, e, secundando um velho sentimento meu, combati com os ‘partisans garibaldinos’ nos mesmos bosques que o meu pai me dera a conhecer desde criança. Após a Libertação inscrevi-me em Letras, em Turim, e licenciei-me, demasiado à pressa, em  1947, com uma tese sobre Joseph Conrad. A minha entrada na vida literária deu-se pelos fins de 1945, no ambiente do ‘Politécnico’ de Vittorini, que publicou um dos meus primeiros contos. Mas o meu primeiro conto já tinha sido lido por Pavese e por ele apresentado à revista ‘Aretusa’ de Muscetta que o publicou. E aos ensinamentos de Pavese, com quem convivi diariamente nos últimos anos da sua vida, que devo a minha formação de escritor. Desde 1945 vivo em Turim, gravitando em torno da editora Einaudi, para a qual comecei a trabalhar andando a vender livros a prestações, e em cujos serviços editoriais ainda hoje trabalho. Nestes dez anos só escrevi uma pequena parte das coisas que quereria escrever, e publiquei só uma pequena parte das coisas que escrevi, nos quatro volumes que dei ao prelo.

 
Que crítico lhe foi mais favorável? E mais contrário?
Todos foram demasiado favoráveis para com os meus livros, desde o início, desde os nomes mais autorizados (desejo aqui recordar De Robertis que me acompanhou desde o meu primeiro livro até hoje, e Cecchi pelo seu escrito sobre o “Visconde cortado ao meio” e Bo, Boccelli, Pampaloni, Falqui e também o pobre Cajumi que foi o meu primeiro recenseador) até aos jovens da minha geração. Os pouquíssimos críticos desfavoráveis são os que mais me intrigam, e de quem espero mais: mas uma crítica negativa que seja séria e profunda, e que me ensine coisas úteis, ainda não consegui tê-la. Tive um artigo de Enzo Giachino, quando saiu “O atalho dos ninhos de aranha”, um arraso absoluto, total, daqueles de tirar a pele, engraçadíssimo, que deve ter sido um dos mais belos artigos que já se escreveram sobre os meus livros, um dos poucos que de vez em quando tenho o gosto de reler, mas servir também não me serviu para nada: só atacava os aspectos exteriores do livro, que eu mesmo conseguiria superar sozinho». In Italo Calvino, Um remita em Paris, Editorial Teorema, 1990, ISBN 972-695-265-4.

Cortesia de Teorema/JDACT