terça-feira, 31 de julho de 2012

A Bela Poesia. O meu Dia. Recordar. «… Chamo aos gritos por ti, não me respondes. Beijo-te as mãos e o rosto, sinto frio. Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes por detrás do terror deste vazio»



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In Memoriam de MLAC e JLT

Testamento do Poeta

Todo esse vosso esfoo é vão, amigos:
Nnão sou dos que se aceita... a não ser mortos.
Demais, já desisti de quaisquer portos;
o peço a vossa esmola de mendigos.

O mesmo vos direi, sonhos antigos
de amor! olhos nos meus outrora absortos!
Corpos já hoje inchados, velhos, tortos,
que fostes o melhor dos meus pascigos!

E o mesmo digo a tudo e a todos, - hoje
que tudo e todos vejo reduzidos,
a ao meu próprio Deus nego, e o ar me foge.

Para reaver, porém, todo o Universo,
a amar! e crer! e achar meus mil sentidos!....
Basta-me o gesto de contar um verso.

José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'


Mãe
Mãe:
que desgraça na vida aconteceu,
que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
cansada de palavras e ternura,
assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!

Miguel Torga, in 'Diário IV'

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