segunda-feira, 21 de maio de 2012

Os Índices Expurgatórios e a Cultura. Raul Rego. «Mas as prevenções contra Erasmo não parecem ter dominado muito a corte portuguesa, uma vez que em 1527, ainda ele consagrava as “Chrisostomi Lucubrationes” a João III e até lhe foi dirigido convite para vir a Portugal»



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«Por outro lado, a actividade editorial portuguesa não em grande nos primeiros tempos. O cuidado a haver é sobretudo com os livros que entram, mas levará, tempo a que se formulem os róis de livros defesos. Competia aos bispos velar pela fidelidade à doutrina, nos termos de instruções que parecem remontar a Gregório XI, no tempo do rei Fernando.
Dos livros dos copistas para os dos impressores não houve alteração. O ‘ordinário’ manterá a fiscalização sobre o pensamento até se estabelecer o Santo Ofício. Não nos parece que até à Inquisição (maldita) tenha havido cuidados especiais com a escolha de mestres estrangeiros chamados a Portugal nem com os centros universitários aonde se mandavam os estudantes portugueses. Lutero causara divisão na Igreja de Deus, e a grande prevenção, a par do judaísmo, passa a ser a heresia. E, como a heresia, a subtileza erasmiana que advoga, sobretudo, a liberdade do pensamento. Com essa liberdade do pensamento está o conceito “Da Dignidade do Homem” que será o título de uma das obras de ‘Pico della Mirandola’. Mas as prevenções contra Erasmo não parecem ter dominado muito a corte portuguesa, uma vez que em 1527, ainda ele consagrava as “Chrisostomi Lucubrationes” a João III e até lhe foi dirigido convite para vir a Portugal.
Nesse ano de 1527 reunia-se em Valhadolid uma ampla assembleia de teólogos convocada pelo grande inquisidor (maldito) Manrique, arcebispo de Sevilha, para estudar a ortodoxia das obras de Erasmo. Três portugueses nela participaram:
  • Pedro Margalho,
  • Diogo de Gouveia,
  • Estêvam de Almeida.
 Todos três se pronunciaram contra Erasmo e os perigos que as suas obras representavam para a fé católica. Na frase ‘admirável’ Estêvam de Almeida, Erasmo ‘revela-se um homem amigo de novidades’.
A espiritualidade erasmiana penetrava fundo em Espanha, por essa altura. A tal ponto que Alonso de Valdés poderá escrever, nesse mesmo ano:
  • ‘Erasmo, ou para me expressar melhor, a verdade cristã, tem por defensores todos os teólogos de Alcalá, menos um só... Os outros sete (entre os quais se conta esse Carranza que antes caluniava Erasmo e hoje o defende com ardor) são-lhe muito favoráveis’.
Mas, em Portugal o caso é muito diferente. Por isso o embaixador português informará João III da atitude dos três teólogos portugueses: 
  • ‘… e estes todos três impugnam o Erasmo largamente e muitos se tornam com eles. E creio que sairão com a opinião’.
É também nesta altura que Aires Barbosa redige o seu “Antimoria”, em resposta ao “Elogio da Loucura (Moria)” de Erasmo. Aquele humanista, que estudara em Salamanca e Florença, que ensinara depois durante muitos anos em Salamanca e de lá fora chamado, em 1520, por João III para mestre de seus irmãos, os infantes Afonso e Henrique, morreu em Aveiro, sua terra natal, em 1540. O livro será impresso em Santa Cruz de Coimbra em 1536, o ano do estabelecimento da Inquisição (maldita). É também o ano da morte de Erasmo». In Raul Rego, Os Índices Expurgatórios e a Cultura, Biblioteca Breve, Pensamento e Ciência, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1982.

Cortesia de ICL Portuguesa/JDACT