quinta-feira, 10 de maio de 2012

D. Pedro V e o seu Reinado. Júlio de Vilhena. Parte 2. «Não se esquecia de si nem mesmo naquele momento, pondo em relevo que fora ele quem contribuirá principalmente para a época de paz que assinalara a sua Regência. Nem Saldanha que tinha feito a obra de 1851, nem Rodrigo que pacificara os ânimos rebeldes protestaram contra as afirmações do Regente»


Cortesia de purl

«Fernando II foi o primeiro a falar. E com a sua voz nasalada disse no meio do geral silêncio:
  • «Mas o que posso declarar, à face dos Representantes desta ilustre Nação, é que jamais perdi de vista o que reputei o primeiro dos meus deveres: fazer amar o sistema representativo que nos rege; manter os direitos e as garantias dos cidadãos portugueses; apagar até os últimos vestígios de nossas passadas dissensões; e por este meio conservar sempre viçosas as esperanças de um Reinado feliz, caro ao povo português, e durante o qual se consolidem as nossas instituições livres; se arreigue profundamente a confiança na sua duração e no carácter leal e generoso do nosso Monarca. Da índole com que a Divina Providência dotou este Príncipe, e dos esforços empregados por Sua Augusta Mãe, de Saudosa Memória, e por mim, devo esperar que o Senhor Dom Pedro Quinto merecerá sempre o amor e o respeito dos seus súbditos; que Sua Majestade Será o primeiro mantenedor dos seus foros e liberdades; que dentro da esfera das Suas prerrogativas constitucionais concorrerá poderosamente para sustentar os direitos da Nação, a sua glória e dignidade, promovendo o maior desenvolvimento da riqueza e fortuna pública, de que essencialmente depende o esplendor do Trono».
Não se esquecia de si nem mesmo naquele momento, pondo em relevo que fora ele quem contribuirá principalmente para a época de paz que assinalara a sua Regência.
Nem Saldanha que tinha feito a obra de 1851, nem Rodrigo que pacificara os ânimos rebeldes protestaram contra as afirmações do Regente. Era certo que Fernando II, se não apagara os últimos vestígios das passadas dissensões, tinha para isso contribuído grandemente, à uma porque esquecera os próprios ressentimentos das ofensas recebidas, que muitas eram e graves a ponto de lhe bulirem na honra doméstica, à outra porque desinteressando-se das coisas públicas e presando sobretudo as suas comodidades, o que se conformava com o seu temperamento abúlico, entregara a Rodrigo da Fonseca, o mais inteligente, o mais hábil, o mais simpático e o mais útil de todos os desmoralizados políticos, a vida inteira da Nação. E este afagando uns, corrompendo outros com dádivas e promessas, pregando o perdão recíproco das antigas ofensas consolidava a obra que o Regente agora atribuía imodestamente ao seu labor.
Pedro V, tomando em seguida a palavra, começou por declarar que se reputava feliz de ser Rei deste povo, que tão heroicos feitos praticou e tantos sacrifícios fez pela restauração e defensa da Monarquia Constitucional e das liberdades pátrias. Depois agradeceu ao Regente, cujos extremosos desvelos de amor e benevolência paternal tanto suavizaram a perda de sua saudosa e respeitável mãe, e cuja sabedoria e ilustração encheu o país de extraordinários benefícios. Por fim, depois de ter prestado o juramento, ajoelhado e comovido, faz o seu programa de governo:
  • «Cumprindo o juramento que Dei, o Meu maior empenho consistirá em Promover o bem da Nação, cujo sólio Ocupo. Fiel aos princípios do Governo Representativo, e Respeitando os sagrados preceitos da Lei Fundamental do Estado, Velarei pela sua sincera execução. Farei manter, quanto em Mim caiba, os Direitos, as Garantias, e a Liberdade dos cidadãos portugueses. Empenhar-Me Hei, dentro da esfera das prerrogativas Reais, em promover todos os meios da pública prosperidade. Espero que as Cortes da Nação continuem a cooperar com o Meu Governo, e a prestar-lhe o auxílio necessário, para realizar os benefícios de que o povo carece, afim de gozar das vantagens da civilização, e de colher o fruto dos trabalhos úteis de que provêm a sua felicidade e a glória do Trono. Oxalá que o Reinado que hoje começa obtenha as bênçãos do Todo-Poderoso; que os povos desta Monarquia, que ainda hoje se estende a diversas partes do mundo, possam bem dizer o seu Monarca e o seu Governo; que a Justiça e a Liberdade reinem comigo, que só Posso Considerar-me feliz pela felicidade de todos».
Eram sinceras as palavras do novo Rei: fazer a felicidade de todos, trazer contente e muito ligado a si o seu povo, de modo que gozasse e sentisse a sua afeição, foi sempre essa a norma do seu procedimento. Terminou a solenidade o Cardial Patriarca, aceitando em nome das Cortes o juramento prestado, e não lhe esquecendo, como chefe da igreja lusitana e interpretando o sentir da população católica, de invocar em favor do Rei o auxílio da Divina Providência e o patrocínio da imaculada Virgem, mãe de Deus, especial protectora do Reino e da augusta casa de Bragança. Era a unção religiosa ministrada ao Rei pelo verbo do mais graduado chefe da igreja nacional. E erguendo a voz e o gesto bradou, pedindo que todos bradassem com ele:
  • «Viva e Reine por muitos  e ditosíssimos anos o muito Alto, muito Poderoso e Fidelíssimo Rei de Portugal e Senhor Dom Pedro Quinto: Viva e Reine por muitos e ditosíssimos anos o muito Alto, muito Poderoso e Fidelíssimo Rei de Portugal o Senhor Dom Pedro Quinto: Viva e Reine por muitos e ditosíssimos anos o muito Alto, muito Poderoso e Fidelíssimo Rei de Portugal o Senhor Dom Pedro Quinto».
Cortesia de imprensauniversidadedecoimbra

Das Cortes, e sempre no meio das maiores ovações, o Rei dirigiu-se à Patriarcal, onde assistiu a um solene Te-Deum, e voltando deste acto religioso veio ao Terreiro do Paço, onde o presidente e vereadores da Câmara Municipal lhe fizeram entrega das chaves da cidade.
Era meio-dia; o céu estava encoberto, corria alguma aragem; o tempo sombrio. A uma e meia chuviscava. Às três nublado e bafagem. O Rei, visivelmente incomodado, recolheu ao Paço, ficando a recepção oficial para o dia seguinte. A alegria em toda a cidade, e pode dizer-se que em todo o país, era ruidosa e sincera. Tudo queria festejar a aclamação.
Na véspera o Regente elogiara os Caixas gerais do contracto do sabão e tabaco por passarem cartas de perdão a todos os réus, presos nas diferentes cadeias do Reino e Ilhas por crime de contrabando. Também ofereceram 4 000$000 réis para esmolas aos pobres e desvalidos do concelho de Lisboa.
O Rei concede diferentes mercês aos seus melhores servidores. Em 16 o duque da Terceira é nomeado primeiro ajudante de campo e José Jorge Loureiro, ministro de estado honorário e marechal de campo, é também nomeado ajudante. O barão de Sarmento, que havia sido elevado a visconde ainda pelo Regente, e era dele ajudante de campo, foi nomeado gentil homem da real câmara. O Rei não se esquecia do amigo e confidente da sua infância.
Dias depois concedia-se ao visconde de Carreira o mesmo título, em mais uma vida, na pessoa de seu sobrinho, Luís Bravo de Abreu e Lima. A subscrição, aberta em Lisboa para celebrar a aclamação, entre alguns comerciantes nacionais e estrangeiros na importância de 5 095$000 réis, foi assim distribuída: 4 000$000 destinaram-se à edificação de uma casa de asilo para a infância desvalida no lugar do Campo Grande, e o resto e o mais que se pudesse alcançar, em partes iguais para o Hospício das Irmãs da Caridade e para a nova casa de asilo que se projectava criar no sítio do Barreiro.
Em 20 de Outubro foi decretada a amnistia geral.
Assim se inaugurou o reinado de Pedro V (9)In Júlio de Vilhena, D. Pedro V e o seu Reinado, DP 664 V55 610415, 4 de 07 de 1955, Academia das Ciências de Lisboa, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1921.


Cortesia da AC de Lisboa/JDACT