sexta-feira, 20 de abril de 2012

FCG. Damião de Góis. Elisabeth Feist Hirsch. «Manuel I, agindo talvez contra o íntimo da sua consciência (pois até ali ele tinha tratado bastante bem os Judeus) e contra os avisos do seu conselho, submetera-se desta vez, aos desejos da princesa espanhola D. Isabel, que ele tencionava desposar, na esperança de que a Espanha viesse um dia a ser incorporada em Portugal»



jdact

«O génio versátil de Góis, embora não fosse invulgar naquele tempo, era notável. Assim, por exemplo, revelava um excelente domínio de complicados assuntos económicos, que possivelmente adquirira na sua experiência juvenil da economia florescente e da luxuosa sociedade de Portugal. Durante os anos da adolescência Góis ficava muitas vezes maravilhado a contemplar o oceano, e à espera que os navios carregados com mercadorias de outras terras entrassem no porto. Ninguém, pensava ele, que não «os tivesse visto e tocado» podia imaginar a enorme quantidade e variedade de importações armazenadas na feitoria de Lisboa. Observava que, em certos dias, as transacções atingiam tais proporções que o tesoureiro, incapaz de controlar todo o dinheiro, tinha que fechar e dar o negócio por encerrado. Por outro lado, ainda cedo na vida, Gois aprendeu também a conhecer os perigos duma economia explorada ao extremo. Se se perdia um navio, fosse por causa duma tempestade, fosse por ataque dos piratas, o orçamento real ficava seriamente desequilibrado porque as despesas eram enormes e Manuel I, contrário à sua redução, recorria a perigosas especulações financeiras.
Durante o seu reinado a bandeira portuguesa estava arvorada em muitas terras distantes nos três continentes. Nunca até então tinha um rei português alargado o seu poder a tão vasto território. Mas o carácter do rei que chefiava Portugal nesta imensa conquista permanece um tanto ou quanto dúbio e Damião de Góis, cuja lealdade e dedicação a Manuel I se não podem pôr em dúvida, não escondeu nos seus escritos o lado mais sombrio da personalidade do rei. Teve fortes palavras de censura para a ingratidão de Manuel I para com Duarte Pacheco Pereira, herói do ultramar que o rei puniu severamente, baseado em falsas acusações; Gois também citou as amargas palavras de Albuquerque depois de ter perdido as boas graças do rei:

“... alevantou has mãos pera ho çeo dizendo em alta voz, Deos seja louvado, mal com hos homës per amor delRei, mal com elRei per amor dos homës”.

Outra mancha no nome do rei resultou da expulsão dos Judeus que não se converteram ao Cristianismo e do decreto cruel que determinava que os filhos lhes fossem tirados. Manuel I, agindo talvez contra o íntimo da sua consciência (pois até ali ele tinha tratado bastante bem os Judeus) e contra os avisos do seu conselho, submetera-se desta vez, aos desejos da princesa espanhola D. Isabel, que ele tencionava desposar, na esperança de que a Espanha viesse um dia a ser incorporada em Portugal.
Os conselheiros já tinham avisado Manuel I de que o Tesouro necessitava do tributo pago pelos Judeus pois que, apesar das riquezas que dimanavam do Oriente, as finanças do rei andavam num caos permanente. Isso era devido em parte às grandes despesas acarretadas na preparação de armadas que se enviavam além-mar, não só para trazerem especiarias, drogas e outros artigos de que havia grande procura na Europa, como também para salvaguardar as possessões portuguesas espalhadas pelo mundo fora. Mas também era em parte porque o rei gostava de exibir riqueza e poder; como foi dito atrás, enchia o luxuoso palácio de materiais preciosos importados do estrangeiro. 

jdact

Não se contentava em informar o Papa das suas conquistas e navegações em cartas que eram posteriormente traduzidas em várias línguas, ou mesmo em mandar ao Santo Padre presentes raros como elefantes e rinocerontes, para que fossem vistos e admirados por muitos europeus, mas queria também deixar monumentos duradouros para a posteridade. Antes dele nenhum rei português tinha contratado tantos e tão excelsos artistas. Gastando o dinheiro tão depressa como ele entrava, dependia do apoio financeiro de banqueiros alemães e italianos que investiam dinheiro nas expedições portugueses. A situação não melhorou grandemente depois de Manuel I abrir uma feitoria em Antuérpia em 1505; na verdade, esses mesmos mercadores participavam na distribuição de mercadorias da Flandres para o resto da Europa. Damião de Góis, que estudava esses métodos de perto, criticava as manipulações financeiras de Manuel I, que incluíam mudanças súbitas de moeda, as quais, a seu ver, só contribuíam para aumentar a confusão». In Elisabeth Feist Hirsch, Damião de Góis, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1967.

Cortesia da FC Gulbenkian/JDACT