sexta-feira, 20 de abril de 2012

FCG. Damião de Góis. Elisabeth Feist Hirsch. «Navegadores, guerreiros e outros aventureiros portugueses iam para além-mar por uma multiplicidade de razões: alguns esperavam adquirir riquezas e poder, muitos desejavam promover o Cristianismo entre os infiéis, e outros sentiam curiosidade pelas novas terras em si»



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«Manuel I, como Góis nos conta na crónica do monarca, procurava atrair à corte os melhores músicos da Europa e do além-mar; devem ter sido incluídos representantes da musica polifónica, visto que esse género de música se tinha espalhado em muitos países e era popular na vizinha Espanha, em especial na Universidade de Salamanca e na corte de Carlos V.
Durante a permanência de Góis no palácio, Manuel I pôs em prática um ambicioso programa de construção que só foi igualado pela reedificação de Lisboa por Pombal após o terrível terramoto de 1755. Os olhos de Góis cedo se treinaram a distinguir a obra do artista autêntico da de imitação inferior? Tornou-se um coleccionador entusiasta de quadros e acabou por ser conhecido pela sua colecção de obras de grandes artistas contemporâneos.
Por se preocupar com as artes, Manuel I não mostrava interesse por reformas na esfera académica, embora elas fossem bem precisas, e em consequência Damião de Góis não teve no palácio grandes oportunidades para adquirir conhecimentos da literatura da Antiguidade. Apesar disso, contudo, recebeu bastante encorajamento nas suas primeiras mostras de interesse pela história. Manuel I tinha um grande sentido da tradição, e foi no seu reinado que começou a enfadonha tarefa de se pôr ordem nos “Arquivos Nacionais”, tarefa que seria continuada muitos anos mais tarde pelo próprio Góis.

NOTA: O humanista italiano Cataldo foi contratado pelo rei João II para professor de seu filho. É possível que a presença de Cataldo no palácio tenha exercido uma forte influência no desenvolvimento intelectual de Manuel I.

Para mais, Manuel I insistia em que os príncipes e, supõe-se, os cortesãos, lessem regularmente as velhas crónicas. Por isso Damião de Gois aprendeu um pouco da disciplina a que mais tarde iria dedicar as suas energias de escolar, e começou a ter uma concepção da historiografia como ciência.
Quer o humanismo tenha ou não promovido a ciência moderna, não resta a menor dúvida de que o clima que reinava no palácio de Manuel I era propício ao pensamento científico. Se durante o período mais produtivo de criação humanística Gois acentuou que o verdadeiro conhecimento tinha que derivar dos factos e da observação, a semente que produziu esse raciocínio na maturidade foi semeada na juventude. Além do apoio real às ciências, a importância de fontes primárias era evidenciada pelo imenso caudal de novos dados que afluía ao palácio.
Navegadores, guerreiros e outros aventureiros portugueses iam para além-mar por uma multiplicidade de razões: alguns esperavam adquirir riquezas e poder, muitos desejavam promover o Cristianismo entre os infiéis, e outros sentiam curiosidade pelas novas terras em si. Este último grupo, numa atitude de espírito verdadeiramente científica, coligiu abundantes informações em campos como a botânica, a zoologia, a medicina e a etnografia. Ainda se pode ver um exemplar florescente dos seus achados num subúrbio lisboeta, a Sintra de hoje; aí, num parque sem igual, crescem todas as espécies de arbustos, árvores e flores, que foram plantadas durante o período dos descobrimentos de além-mar. A beleza exuberante e a variedade de formas exóticas, de cores brilhantes e de perfumes de entontecer fizeram com que Byron exclamasse, ao vê-lo, “este é o Éden glorioso”.
Havia outros exemplos dos frutos da observação. Pedro Nunes, o famoso astrónomo e matemático que foi mestre de vários príncipes, foi grandemente estimulado nos seus estudos pelo contacto íntimo com João de Castro, herói de conquistas na Índia, que, em seguimento dos seus feitos, escreveu um relato exaustivo das suas descobertas científicas e de outras experiências.
Nenhum pormenor digno de registo parece ter escapado a Góis, embora os resultados da instrução que recebera na juventude não fossem sempre imediatamente aparentes. Por exemplo, o rei Manuel que, como muitas pessoas da época, acreditava que a vontade de Deus estava escrita nas estrelas, nunca mandava uma expedição sem pedir conselho ao seu astrólogo. Góis, tanto quanto sabemos, não rejeitava essa “sábia astrologia” mas aceitava a possibilidade da existência de fontes irracionais de conhecimento, e não excluía essas fontes das suas investigações de escolar, que, alias, se baseavam em factos». In Elisabeth Feist Hirsch, Damião de Góis, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1967.

Cortesia da FC Gulbenkian/JDACT