domingo, 15 de abril de 2012

Carta de Pero Vaz de Caminha a el-Rei D. Manuel sobre o Achamento do Brasil. «Vimos, pois, que os Descobrimentos foram a alma do Portugal renascentista, que nos trouxeram um mundo novo, por desbravar, ao mesmo tempo que grandes transformações se operavam nos diversos reinos europeus. Cria-se, assim, uma dinâmica entre dois espaços novos, que constituirá, ao mesmo tempo, o seu alimento e a sua paralisia»


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«Portugal desempenhou aqui um papel inovador. ‘O forte sabor a maresia invadiu Portugal inteiro e fecundo […]’.
Ao nível da construção naval, da artilharia, da organização do espaço, da plantação da cana sacarina e, mais tarde, da produção industrial do açúcar, da utilização das plantas tintureiras (indispensáveis para as indústrias têxteis), os Portugueses desempenharam papel de pioneiros. Trazendo igualmente o ouro de África, da Guiné e depois da Mina, renovaram as condições da economia monetária na Europa. E é este poder de constante superação de si próprio que leva os Portugueses desde as Américas ao Extremo Oriente, desde o açúcar do Brasil ao ouro das Antilhas, desde as drogas das Molucas aos escravos da África.
  • ‘Aqui, as mudanças sucedem-se a um ritmo rápido. Se, em 1499, Vasco da Gama, de regresso da sua viagem às Índias, abre o ciclo «das especiarias», graças ao ouro do Sudão e ao do Monomotapa, e se, em 1500, o seu companheiro Álvares Cabral «descobre ou encontra» o Brasil e acrescenta o pau-brasil às especiarias e às drogas orientais, desde 1505, a queda do ouro do Monomotapa, a partir de 1520, o apogeu e depois a queda do ouro da Mina, a partir de 1530, o apogeu e depois a crise das especiarias, obrigam a voltar uma página nova na história da economia portuguesa’.
Presentes em todas as economias e em todas as civilizações, dão uma das contribuições mais válidas para a construção de uma humanidade consciente de si própria.
São eles que descobrem grande parte do mundo e revelam a sua organização social, a mentalidade dos povos e as formas políticas, dentro de um sentido moderno e de um desejo de descoberta daquele que é diferente de nós, o Outro.
Novas concepções, novas práticas socioeconómicas, um novo mundo. A identidade nacional e o Estado soberano, a complexidade do jogo geostratégico e da diplomacia, tudo isso faz parte do amplo quadro que marcou a passagem ao mundo moderno.

A literatura de viagens, expressão inovadora dos Descobrimentos
  • “Pois quem pode arrancar ao mundo esta opinião dos antigos? A muita experiência dos modernos e, principalmente, a muita navegação dos Portugueses [...] De maneira que nas costas deste nosso hemisfério antigo está descoberto de água outro novo. Vista pois, tal experiência, fica bem reprovada a opinião dos antigos [...]”. In D. João de Castro, ‘O Tratado da Esfera’
Vimos, pois, que os Descobrimentos foram a alma do Portugal renascentista, que nos trouxeram um mundo novo, por desbravar, ao mesmo tempo que grandes transformações se operavam nos diversos reinos europeus. Cria-se, assim, uma dinâmica entre dois espaços novos, que constituirá, ao mesmo tempo, o seu alimento e a sua paralisia.
Não devemos esquecer que os Descobrimentos não foram uma realização isolada dos Portugueses, mas sim o resultado de um empreendimento a nível europeu, em que a eles se pode atribuir ‘apenas’ a prioridade de terem ligado, por via marítima, o Ocidente ao Oriente, sendo os primeiros a descrever as diversas sensações ligadas a essa experiência.
As inovações técnicas possibilitaram igualmente uma intervenção de maior relevo de certas personagens, embora com funções diferentes, os sábios, cartógrafos, astrónomos, carpinteiros, por um lado, e, por outro, os marinheiros, soldados, escrivães, religiosos, lavradores.
Também ao nível cultural novas formas de expressão foram encontradas, constituindo a chamada ‘literatura de viagens’. Em face de novos mundos, é um novo universo literário que se cria:
  • os que sentem a necessidade de descrever e os que solicitam a sua leitura. Para ambos, o grande estimulante é a curiosidade. Pela observação directa de várias áreas do conhecimento (geografia, história natural, astronomia, antropologia), tudo o que viam registavam, daí se criando ‘uma consciência intelectual, intuitiva e prática, que não raras vezes afectava a cultura teorética’.
In Carta de Pero Vaz de Caminha a el-Rei D. Manuel sobre o Achamento do Brasil, estudo introdutório e notas de Maria P. Caetano e Neves Águas, Publicações Europa América, 1987.

Cortesia de PE América/JDACT