sábado, 24 de março de 2012

Portugal e a Ásia Oriental. João de Deus Ramos. «Que imagem tinham os chineses dos portugueses após os primeiros contactos? Francamente má, particularmente durante o período dos excessos de Simão de Andrade às portas de Cantão e das queixas do Sultão de Malaca, que seriam factor de peso no desaire da Embaixada de Tomé Pires»

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Portugal e China: Imaginário recíproco
Imagens de Portugal e dos Portugueses

«Para além dos clássicos, como acima referido, e de alguns textos pontualmente traduzidos aqui e ali, encontram-se compilações de textos chineses traduzidos, com relevância para Portugal, nos dois volumes de “Medieval Researches from Eastern Asiatic Sources, de Bretschneider", e nos dois volumes do “Documentary Chronicle of Sino-Western Relations (1644-1820)”, de Lo-Shu Fu. No que toca a Macau, há, o “Ou-Mun Kei-Leok”, ou “Monografa de Macau", do século XVIII, que se insere no notável e volumoso esforço historiográfico chinês de, através do tempo e da Geografia deixar este corpo de ‘Histórias Locais”, que tanto auxiliam os historiadores. Luís Gonzaga Gomes prestou o grande serviço de traduzir para português, em 1950, em Macau, a referida monografia. Nela se contém muito de útil para a história de Macau e da presença portuguesa na China, vista pelos olhos de dois mandarins da província circundante de Guangdong.

Que imagem tinham os chineses dos portugueses após os primeiros contactos? Francamente má, particularmente durante o período dos excessos de Simão de Andrade às portas de Cantão e das queixas do Sultão de Malaca, que seriam factor de peso no desaire da Embaixada de Tomé Pires, agravadas pelo conluio explícito, a olhos chineses, nessa época, entre portugueses e os piratas, no trato ilícito. Fok enumera os ‘pecados’ dos portugueses, e cita, transcrevendo alguns, os textos chineses em que se baseia. Considera dois factores como determinantes:  
  • a circunstância de os chineses letrados não terem tido contactos prolongados, ou normais, ou rotineiros, com os portugueses;
  • o princípio geral, mais forte na China que noutras nações que os critérios de avaliação autóctones são os mais válidos.

Isto impediu os observadores Ming de terem uma imagem mais esclarecida acerca dos portugueses. No primeiro quartel do século XVI os chineses consideravam-nos como duendes com semelhanças apenas superficiais a um ser humano normal, e com tendência antropofágica. Esta última característica que nos era atribuída está em larga medida na base da acusação, reflectida nas nossas crónicas, de antropofagia infantil.
Os portugueses eram ainda descritos, curiosamente, como mais se aproximando de seres humanos ‘normais’ tão só quando estavam de boa disposição. 
  • Eram também acusados de tráfico de mulheres;
  • de atrocidades cometidas contra outros povos asiáticos, nomeadamente em Malaca, estado tributário da China;
  • de aplicarem as suas próprias leis em território chinês e em desrespeito das locais;
  • de um modo geral, de desconhecerem os preceitos das boas maneiras e dos bons costumes de que o Império do Meio se considerava como paradigma universal».

In João de Deus Ramos, Portugal e a Ásia Oriental, Fundação do Oriente, 2012, ISBN 978-972-785-102-7, Comunicação apresentada à Academia Portuguesa da História, 5 de Abril de 1995.

Cortesia da F. Oriente/JDACT