sábado, 31 de março de 2012

Eduardo Brazão. Em Demanda do Cataio. Parte 5. A Viagem de Bento de Goes à China 1603-1607. «‘O Grão-Cataio’ ia ser desligado do Ocidente com a queda dos Mongóis; daquele exército sem armas que Marco Polo tinha, sem o saber, arrastado àquelas distâncias, desde Montecorvino a Marignolli, cerca de cinquenta e cinco anos de esforços e de triunfos, poucas notícias chegaram aos tempos da “Cruzada Portuguesa”»


Cortesia de wikipedia

«Em 1249, depois duma viagem longa e trabalhosa, chegava a Khanbalik, a ‘cidade do Rei’, que tanto impressionara Marco Polo. Logo Montecorvino dava começo aos seus grandes labores missionários, iniciando a concepção genial para aquele ambiente, que ele pela primeira vez conhecia, de atirar bem ao alto no intuito de, acertado o alvo, trazer atrás, facilmente, tudo quanto estava por baixo. Assim procederia, quase três séculos depois, Matteo Ricci, sem contudo conhecer, ao que parece, a obra e acção deste glorioso pioneiro. Convertera, logo de início, o nestoriano príncipe Jorge de Tenduc, ligado por parentesco à família imperial. Com ele colheu o franciscano um cacho tão volumoso como enxame de abelhas suspenso de ramada. E as sementeiras e ceifas iam seguindo activas e prósperas.
Em duas cartas, de 1305 e 1306, relata Montecorvino, não sem uma ponta de orgulho, justificado mesmo para um filho do “povorelo de Assis” que ele era, os seus triunfos católicos naquele vasto mundo pagão e herético. Construíra magnífica igreja onde os fiéis já eram em grande número, mesmo ali em Khanbalik, às portas do “Grande Khan”, conseguindo que tão alto senhor fosse assistir aos coros litúrgicos organizados com a multidão dos que seguiam a sua Fé. Já, então era assistido doutros franciscanos, ficando-nos, dentre eles, o nome de Fr. Arnaldo de Colónia. Pouco depois, Montecorvino recebia do pontífice a honra de ser nomeado arcebispo de Khanbalik e patriarca do Extremo Oriente.

Um outro franciscano que partira para a Ásia em 1317, Fr. Odorico de Pordenone, trazia anos depois à Europa, descrevendo a ‘cidade do Rei', a confirmação do descritivo de Polo. Não houvera fantasia no Veneziano. Aquele mundo estranho, prenhe de riquezas incomparáveis, campo aberto à sementeira cristã, podia-se então pensar, como ainda depois, era distante, mas lá se chegava como tantos e tantos agora o provavam. E a Fé daquela Idade Média fazia encurtar as distâncias, arrefecer as brasas dos desertos, matar a sede e a fome dos caminhantes.
Togan Timur Ukhagatu, o último mongol que dominou o “Cataio”, mandava luzida embaixada a Roma, em 1338, a impetrar a bênção papal. Também pedia a Bento XII cavalos daquelas terras do Ocidente! Então se soube que Montecorvino tinha morrido oito anos antes. O mundo ainda estava bem separado e distante!
Logo outra missão franciscana seguia, composta de cinquenta talvez e levando a capitaneá-la Fr. João de Malignolli, um florentino. Em 1342 chegava a Khanbalik e por aquelas regiões se manteve durante quatro anos de fecundo labor cristão. Mas aqui terminavam as esperanças e anseios dos monges de Assis e do mundo católico. ‘O Grão-Cataio’ ia ser desligado do Ocidente com a queda dos Mongóis; daquele exército sem armas que Marco Polo tinha, sem o saber, arrastado àquelas distâncias, desde Montecorvino a Marignolli, cerca de cinquenta e cinco anos de esforços e de triunfos, poucas notícias chegaram aos tempos da “Cruzada Portuguesa”.

Segundo Moule, considerado a maior autoridade no assunto, seguido de perto por D'Elia, talvez o maior sinólogo do nosso tempo, o motivo está em que a obra missionária de então foi sobretudo realizada entre os não-chineses do “Cataio”. Cristãos vivendo por ali, mas pouquíssimos os da raça nativa.
Para esses se iniciou a nossa grande obra do Padroado. Até lá, tinha-se apenas escrito a Introdução do Cristianismo na China». In Eduardo Brazão, Em Demanda do Cataio, A Viagem de Bento de Goes à China, 1603-1607, Gráfica Imperial, 2ª edição, Lisboa 1969.

Cortesia de Gráfica Imperial/JDACT