sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Vulcanologia. Frederico Machado. O Interior da Terra. «A aceleração da gravidade só é conhecida à superfície. A cada profundidade a variação respectiva depende, porém, da densidade das camadas superiores, o que permite resolver a da variação da densidade numa camada por integração numérica, a partir da superfície exterior»

jdact e geologia

Constituição
«A principal fonte de informação sobre o interior da Terra provém do estudo da propagação das ondas elásticas geradas pelos abalos de terra. Demonstra-se na Teoria da Elasticidade que num sólido indefinido se podem propagar dois tipos de ondas, umas longitudinais e outras transversais, com velocidades dadas, respectivamente, pelas expressões:



onde x é o módulo de compressão, µ o módulo de rigidez e ρ a densidade (massa específica). Por serem x e µ positivos, Vl é sempre maior do que Vt.
Quando há um abalo suficientemente forte, o instante de chegada destes dois tipos de onda é registado nas numerosas estações sismográficas distribuídas pela superfície da Terra. A partir desses elementos (acumulados durante mais de meio século), os métodos da Sismologia Matemática permitem calcular as velocidades Vl e Vt, a cada profundidade do interior da Terra.

Nas camadas superficiais que constituem a ‘crusta’ a variação é irregular em consequência de heterogeneidades locais, Vl variando em geral entre 5 e 7 km/s e Vt entre cerca de 3 e 4 km/s. A espessura da ‘crusta’ é da ordem de 30 km sob os continentes e de 5 a 10 km sob os oceanos; por baixo fica o chamado ‘manto’. Na passagem da ‘crusta’ para o ‘manto’ há um aumento brusco nas velocidades sísmicas, “descontinuidade de Mohorovicic” mas daí para baixo a variação torna-se muito mais regular.

Velocidades sísmicas no interior da Terra
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À profundidade de cerca de 3 000 km há, porém, uma nova descontinuidade. A velocidade das ondas longitudinais, que tinha aumentado até cerca de 14 km/s, baixa bruscamente para cerca de 8 km/s; e as ondas transversais deixam de se propagar. Atendendo à equação de Vt, este último facto implica a anulação do módulo de rigidez, o que é uma característica dos fluidos.
Admite-se por isso que abaixo dos 3 000 km haja um núcleo em estado de fusão.
A variação de densidade numa camada homogénea do interior da Terra pode determinar-se pela equação


Onde r é o raio ao nível considerado e g a aceleração da gravidade; x/ρ obtém-se das expressões Vl e Vt.
A aceleração da gravidade só é conhecida à superfície. A cada profundidade a variação respectiva depende, porém, da densidade das camadas superiores, o que permite resolver a da variação da densidade numa camada por integração numérica, a partir da superfície exterior.
Com hipóteses plausíveis para a densidade da ‘crusta’ e da parte superior de cada camada considerada homogénea é possível determinar as densidades aos vários níveis; os resultados terão de ser ajustados aos valores conhecidos da densidade média (5,52 g/cm3) e do momento de inércia (8,10x1044 g/cm2) do planeta.
Estes cálculos, evidentemente trabalhosos, foram efectuados por Bullen, que obteve os resultados representados na figura:

Densidade di interior da Terra, segundo Bullen
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Conhecidas as densidades, as equações Vl e Vt permitem determinar x e µ.

Se admitirmos que os meteoritos que tombam dos espaços siderais representam ‘amostras’ do material que constituía o interior de planetas semelhantes à Terra, o estudo desses pequenos corpos celestes será outra importante fonte de informação.
Os meteoritos que têm sido estudados pertencem, geralmente, a um dos seguintes tipos:
  • - meteoritos metálicos (ou siderófilos), compostos duma liga de ferro com cerca de 10% de níquel (além de outras substâncias);
  • - meteoritos felsíticos (ou litófilos), de composição próxima dos peridotitos, mas contendo frequentemente certa quantidade de ferro-níquel (semelhante ao dos meteoritos metálicos).
As densidades de Bullen para o material do núcleo correspondem razoavelmente às que deverá apresentar o ferro, ou a liga ferro-níquel, nas condições ali existentes: a pressão é da ordem dos 2 ou 3 megabares; e a temperatura, visto o material dever estar fundido, será talvez superior a 5 000ºC.
Um núcleo formado por ferro-níquel meteorítico é admitido, com pequenas variantes, pela maioria dos autores. Quanto ao manto superior, tanto a densidade como as propriedades elásticas são apropriadas para uma rocha peridotítica. A constituição do manto inferior é mais incerta. Ringwood descobriu que a olivina e, portanto, as rochas peridotíticas, sofre um aumento de densidade de cerca de 11%, por transformação polimórfica, a uma pressão da ordem de 0,13 megabares, equivalente à profundidade de 400 km. Este aumento é, porém, insuficiente para se atingirem as densidades de Bullen do manto inferior. Talvez seja razoável admitir uma constituição olivínica, na fase de alta pressão, com adição de certa percentagem de ferro-níquel metálico, hipótese que foi sugerida, em 1943, por Buddington.

Finalmente, a ‘crusta’ na parte acessível (por baixo dos sedimentos) tem composição granítica. A presença de intrusões doutras rochas (especialmente basaltos) leva porém a admitir que a composição média se deve aproximar da de uma rocha diorítica.
O modelo aqui indicado para o interior da Terra (que tem evidentemente carácter hipotético) está resumido na figura.

Esquema da constituição provável do interior da Terra
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In Frederico Machado, Elementos de Vulcanologia, Bertand, Irmãos, Lisboa, 1965.

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