terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Marvão. Jorge Oliveira. Ibn Maruán. «O sítio teria então perdido o seu peso estratégico militar e evoluído no sentido de um aglomerado habitacional sem grande projecção sócio-político. Como frisa o erudito editor de Ibn Hayyán, nunca mais se encontrará referência alguma a esta terra nas fontes árabes, quer históricas quer geográficas»

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‘… o Monte de Amaia, conhecido hoje por Amaia de Ibn Maruán: é um nome alto e inexpugnável, a leste da cidade de Ammaia-das-Ruínas, (sita) sobre o rio Sever’.

«É nestes termos que a actual vila de Marvão é identificada no século X, na obra perdida do historiador cordovês Isa Ibn Áhmad ar-Áhmad ar-Rázi (filho do primeiro historiador hispano-árabe Áhmad ibn Muhâmmad, cuja obra ‘Crónica do Mouro Rasis’). O trecho em causa vem citado na conhecida compilação cronografica ‘al-Múqtabas’ do grande historiador Ibn Hayyán, também cordovês, a qual de resto conserva largos excertos daquela obra.
Noutras partes do excerto dondxe se tirou o texto em epígrafe, encontramos as seguintes designações para a mesma localidade:
  • Fortaleza de Amaia;
  • A sua fortaleza de Amaia;
  • Fortaleza de Amaia-o-Monte.
Devia existir também o nome de ‘Monte de Ibn Maruán’, porque, num texto que se reporta a uma notícia datável de uma dezena de anos mais tarde que aquela que nos ocupa aqui, o próprio interessado refere-se ao sítio com a simples menção de ‘O meu Monte’.

Contudo, este mesmo texto deixa claramente entender que, com o decorrer do tempo, foi a denominação de “Amaia de Ibn Maruán” que acabou por prevalecer. O sítio teria então perdido o seu peso estratégico militar e evoluído no sentido de um aglomerado habitacional sem grande projecção sócio-político. Como frisa o erudito editor de Ibn Hayyán, nunca mais se encontrará referência alguma a esta terra nas fontes árabes, quer históricas quer geográficas.

 
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O epónimo Ibn Maruán
Mas quem é exactamente aquele Ibn Maruán ao qual se refere a crónica? Trata-se de ‘Abd ar-Rahman Ibn Marwan Ibn Yunus al-Jillíqi (Abderramão filho de Marvão filhoi de Iúnece, isto é, Johannes-João o ‘Galego’), de nobre estirpe emeritense, que se celebrizou na história do último quartel do século IX como rebelde e caudilho “mulati”, autóctone islamizado. Nesta época de generalizada contestação dos emires de Córdova, chegou a liderar, e a sua progenitura depois dele, a autonomia relativa de toda a região do “Gharb al-Ândaluz (o ‘Ocidente’ peninsular que correspondia a largos traços à antiga Lusitânia), a qual perdurou quase meio século.

Não é contudo a partir de ‘Hisn Amaya’, que Ibn Maruán e a sua família irão liderar aquele processo. Pouco tempo depois da sua instalação ali, perante as continuadas perseguições das tropas do governo central, dirigiu-se para o Norte cristão, para as zonas fronteiriças do Douro. Ficou lá durante vários anos, sob a protecção de Afonso III, o agressivo rei asturo-leonês. Ao voltar para as terras muçulmanas, será a partir de Badajoz que ‘O Galego’ tentará reconstituir o seu poderio político militar. Ele funda praticamente esta cidade, não sem a anuência e o apoio financeiro e técnico do poder central de Córdova.

Cortesia de cmm

Pouco tempo depois de se ter alcançado um pacto de convivência entre rebelde e soberano, por volta de 884, as hostilidades reacendem-se e as troipas do Emir Muhâmmad dirigem-se contra Badajoz. Ibn Maruán envia então a este uma carta onde ameaça destruir a nova capital e voltar para “o seu Monte”, se as tropas cordovesas continuarem a avançar em sua direcção. Note-se, como Badajoz se tinha tornado factor de estabilidade política, desde que oficialmente garantidas a autoridade e a autonomia do seu Senhor, enquanto Amaia significava ainda rebeldia e anarquia. Mas isto tudo quer também dizer que, enquanto al-Jillíqi esteve nas regiões nortenhas, grande parte da sua gente e dos seus aliados permaneceram no Monte de Amaia, perpetuando o seu domínio sobre a região.
Pelo conjunto destas informações de primeira mão, vê-se claramente que o epónimo de Marvão não tem nada a ver com aquele ‘mouro, africano, senhor de Coimbra, de nome Maruan ou Marvan’, que, em 770, a teria mandado ‘povoar dando-lhe o seu nome’ como afirma Pinho Leal (1875).

Do mesmo modo, não tem base documental a notícia de Pinho Leal, segundo a qual ‘os mouros [sic] causaram aí [na zona de Aramenha] grande mortandade nos christãos quando invadiram a Lusitania em 715, e os dentre eles que escaparam se foram refugiar na serra’.
[…]
Para finalizar, escusado será dizer quanto descabidas e infundamentadas se demonstram as lucubrações de cariz geomitológico de Carvalho (1973) acerca da origem do topónimo de Marvão, e indirectamente da de Castelo de Vide». In Jorge Oliveira, Ibn Maruán, Revista Cultural do Concelho de Marvão, Coordenação de Jorge Oliveira, nº 1, 1991.

Cortesia da C. M. de Marvão/JDACT