sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Lisboa Islâmica. José Luís Matos. «Do conjunto de trabalhos arqueológicos destacam-se, em primeiro lugar, as escavações realizadas na Sé de Lisboa. Uma grande via pedonal de época romana, uma “Cardo” monumental, atravessa de norte a sul o claustro da Sé. Ligava o Teatro romano que lhe fica a montante na encosta da colina com a zona da Casa dos Bicos, a jusante, na área da Ribeira»

A cidade e as muralhas islâmicas
Cortesia de institutocamoes

«O tecido urbano de Lisboa renova-se geração após geração, mas a configuração fundamental do Centro Histórico da cidade de Lisboa mantém muitas características herdadas do período islâmico. As indicações literárias acerca da Alcáçova árabe, da Mesquita Alfama, ou da Cerca e das portas da Medina islâmica correspondem de forma imprecisa a elementos materiais existentes ainda no interior do Centro Histórico. No entanto, o urbanismo muçulmano estrutura o essencial dessa área urbana e constitui a matriz básica do seu espaço actual.
A primitiva cidade de Lisboa ocupava a actual colina do Castelo e estendia-se desde o alto da sua acrópole até ao rio. Lisboa tem as características de uma cidade portuária nascida junto da ribeira do Tejo; “Olisipo” fenícia e romana desenvolveu-se na retaguarda das suas praias e do seu sistema portuário. A zona histórica da Medina de Lisboa localiza-se no interior da chamada “Cerca Moura”, uma muralha construída pelos romanos e, como o nome indica, refeita e reutilizada em época islâmica. Após a Reconquista Cristã o núcleo central da cidade ficou defendida pela Cerca.


Cortesia de dispostcards

A Acrópole fortificada, alguns panos de muralhas, algumas vias e a própria globalidade urbana é tudo o que resta como vestígio atribuível a épocas anteriores à Reconquista no interior da Cerca Moura. A urbe fenícia e romana não é hoje imediatamente visível à excepção de alguns vestígios urbanos, vias ou espaços que recordam “fora” ou praças públicas ou o traçado urbano modelado por alguns grandes edifícios anteriores ao século IV.

Olisipo pré-islâmica
Há evidências de povoamentos de época fenício-púnica junto ao sapal que ocupava o esteiro do Tejo na actual Baixa da Cidade e que possuía acesso directo ao rio e ao mar. em 218 a.C. ainda permanecia na foz do Tejo uma frota cartaginesa. Em 138 a.C. os romanos tinham substituído os cartagineses e o general Décimo Júnio Bruto ocupava e fortificava a zona portuária de “Olisipo”. O grande desenvolvimento de indústrias pesqueiras na área da Baixa actual forneceu certamente a base económica para o desenvolvimento da cidade em épocas de Augusto nos inícios da era cristã.
Conhecemos a cidade pré-islâmica através de trabalhos arqueológicos feitos em Lisboa, antigos e recentes, com realce para “poços de sondagem” praticados há poucos anos ao longo de duas linhas de pesquisa. Uma delas vai do teatro Romano à Sé de Lisboa e à Casa dos Bicos sondando a colina monumental.

Uma segunda estende-se pela Ribeira e pelo esteiro da Baixa desde a Casa dos Bicos ao Rossio e à Praça da Figueira passando pelas ruas da Prata, dos Correeiros, dos Sapateiros, etc. Esta última permite identificar a velha zona portuária e industrial romana, no local onde estão ainda hoje implantados arruamentos de ofícios medievais e modernos.
Do conjunto de trabalhos arqueológicos destacam-se, em primeiro lugar, as escavações realizadas na Sé de Lisboa. Uma grande via pedonal de época romana, uma “Cardo” monumental, atravessa de norte a sul o claustro da Sé. Ligava o Teatro romano que lhe fica a montante na encosta da colina com a zona da Casa dos Bicos, a jusante, na área da Ribeira.

Cortesia de kantoximpi

Junto ao antigo porto romano, os arqueólogos encontraram marcas de um povoamento que já existia cerca de 1500 anos da ocupação muçulmana e que é visível no ‘Núcleo Arqueológico da rua dos Correeiros’, vestígios de época fenícia e parte do enorme conjunto de fábricas de salga de peixe de época romana, incluindo estruturas industriais e objectos de época islâmica encontrados no local.

Luxbuna. A Medina e os arredores
No alto da Medina onde se localiza o castelo, de origem árabe-islâmica, ficava a Alcáçova, residência do ‘alcaide’ e lugar central da defesa do aglomerado urbano. Foi conquistado pelo rei Afonso Henriques (Ibn-Anrriq) em 1147. Desde as suas muralhas tem-se uma visão ampla da Medina e seus arrabaldes, nomeadamente da antiga zona industrial de Lisboa situada na zona baixa da cidade.
Descendo para a porta oriental da Cerca Moura, junto às portas do Sol podem observar-se panos da muralha islâmica da cidade. Alguns dos seus vestígios são de época islâmica, mas as pesquisas arqueológicas feitas ultimamente em alguns locais da cidade permitem identificá-la globalmente como Cerca tardo-romana refeita em época islâmica, possivelmente no século X após o saque de Ordonho III a Luxbuna.

Percorre-se depois o eixo viário principal da Medina, a antiga “decumana” da cidade tardo-romana que vai das Portas do Sol até à Porta do ferro perto da catedral, igreja cristã construída sobre a antiga “Mesquita Aljama” de Luxbuna. Nos claustros da Catedral foi recentemente descoberta uma parte dos muros pertencentes à Mesquita. O alinhamento dos prédios no Campo das Cebolas à Ribeira Velha, onde a Casa dos Bicos é o edifício mais prestigioso da frente urbana, deve-se ao facto de todos eles terem sido construídos sobre a Cerca Moura que lhe fica no interior. As portas da cidade antiga interrompem ainda hoje a linha de edifícios e todo o conjunto materializa a presença das antigas muralhas». José Luís Matos, Instituto Camões, Colecção Lazúli, 1999, ISBN 972-566-204-0.

Cortesia de Instituto Camões/JDACT