sábado, 25 de fevereiro de 2012

Imagens do Gerês de há Cem Anos. Pires de Oliveira. «Não se limitando ao ensino correu o país e as colónias estudando e recolhendo espécies. Em 28 de Maio de 1918 foi dado o seu nome ao Museu, Laboratório e Jardim Botânico da Universidade de Coimbra»

jdact

Separata de ‘Terras de Bouro. O Homem e a Serra’. Série Cadernos Culturais nº 2

«Este texto ilustrado que hoje apresentamos é mais uma achega que queremos trazer para o conhecimento da gravura de madeira oitocentista portuguesa como fonte imprescindível da iconografia urbana ou rural. E ao mesmo tempo mais um elemento para a luta pela preservação da nossa Memória, do nosso Património Natural e Cultural.
São poucas as gravuras, mas o Gerez é um sítio longínquo de Lisboa, onde tudo se decide. E se hoje é assim, há cem anos era muito, muito, pior. Eu sei que o Gerês é um local mítico deste nosso Portugal; que já no século XVIII se falava das suas antiguidades romanas e que no século seguinte foi visitado por estrangeiros. Mas não nos podemos esquecer que as estradas eram fracas e os transportes ainda piores.

Para encontrarmos este artigo corremos todas as revistas ilustradas, de grande ou pequena tiragem, do século passado. Mas não nos devemos admirar, repito, com tão grande alheamento; se formos a folhear essas revistas descobriremos que os locais que divulgaram são apenas os mais centrais ou algum edifício de características monumentais ou de grande qualidade artística. No Minho podemos dizer que nem sequer afloraram qualquer momento, parcela, paisagem ou monumento de Melgaço, Cerveira, Paredes de Coura, Vila Verde, Esposende, Amares, Celorico etc. !

Serra do Gerês, rio Caldo, junto das Caldas. Foto de Júlio A. Henriques
‘O Ocidente’, 11Mar1886, p. 57
Cortesia da cmdeterrasdebouro

É que para fazer um artigo era preciso que alguém estivesse disposto a correr léguas e incómodos e, ou levasse máquina fotográfica, então coisa só de iniciados, ou fosse acompanhado de um desenhador.
No caso deste texto o autor foi o professor Júlio Augusto Henriques que nascera em Cabeceiras de Basto em 15 de Janeiro de 1838. Em Coimbra, onde faleceu em 7 de Maio de 1928, formou-se em Direito (1860) e doutorou-se em Filosofia (1865); em 10 de Janeiro de 1874 foi catedrático. A sua vocação, porém, era a flora, de tal forma que foi encarregado da regência da cadeira de Botânica e da direcção do Jardim Botânico.
Incansável, escreveu e traduziu manuais, criou colecções didácticas e melhorou substancialmente o laboratório. Foi fundador, em 1879, da Sociedade Broteriana.
Não se limitando ao ensino correu o país e as colónias estudando e recolhendo espécies. Em 28 de Maio de 1918 foi dado o seu nome ao Museu, Laboratório e Jardim Botânico da Universidade de Coimbra.
Como resultado do seu conhecimento do Gerês escreveu:
  • “A Vegetação da Serra do Gerez” (Coimbra, 1885).
Mas algo se deve dizer, também, sobre esta notável arte da Gravura de Madeira. E porque muito a admiramos e dela nos temos socorrido e iremos continuar a utilizar seja-nos permitido expandir-nos um pouco mais. Na História da Arte portuguesa, que tantos e tão belos monumentos já estudou, muitas são as lacunas. Todos conhecem artistas insignes como João de Castilho, Francisco de Holanda, André Soares ou Amadeu de Sousa Cardoso. Todos conhecemos Gil Vicente, ourives, Nuno Gonçalves, pintor, ou Machado de Castro escultor. Mas não conhecemos ainda muitos, diria até, a maior parte, dos inúmeros artistas anónimos que fizeram obras primas em artes ditas menores, mas que, no final, só são menores porque pouco divulgadas ou porque têm pequena dimensão. São as rendas e bordados, são os vidros soprados ou esculpidos, são as obras de latão, são os gravadores...

Serra do Gerês, um curral de Leonte. Foto de Júlio A. Henriques
‘O Ocidente’, 11Mar1886, p. 69
Cortesia da cmdeterrasdebouro

É precisamente desses gravadores que aqui queremos falar um pouco. Não para fazer a sua história, pois ainda não tivemos tempo para, com profundidade a ela nos dedicarmos. Mas apenas para manter a chama viva do interesse por tão bela e tão desprezada arte. E, dentro das diversas técnicas da gravura, vamos apenas falar da xilogravura ou gravura de madeira.
Desde tempos remotos, gregos e romanos, que a arte de gravar já é conhecida. Mas, com maior interesse económico, só desde a Idade Média; e, mais ainda, com a invenção da imprensa, pois que, embora antes se pudesse imprimir, o processo era lento porque só era possível tirar uma cópia de cada vez. Com Gutemberg maior foi a utilização e interesse da gravura pois que com a sua nova técnica rapidamente se poderiam obter várias cópias. Em Portugal, conhece-se em:
  • 1495 uma ‘Vita Christi’ esplendidamente ilustrada com imagens da vida de Jesus Cristo;
  • logo se seguem outras obras interessantes como os ‘Evangelhos e Epístolas’, de 1497;
  • a ‘Crónica do Condestabre’, de 1526;
  • o ‘Breve Memorial dos Pecados e Cousas que Pertencem à Confissão’, de 1545;
  • as ‘Ordenações Manuelinas’ de 1514; etc.
Breve, porém, a gravura de madeira foi utilizada como ilustração nos folhetos de cordel e outras folhas volantes; no século XVIII serviu abundantemente para ilustrar os múltiplos Almanaques, Lunários, e Prognósticos que se editavam em profusão.
A xilogravura deixou então para a gravura de metal os desenhos mais finos, mais aprimorados. Passou a ser usada, essencialmente por artistas sem escola, que tanto mais assumem a Sua intensa «naïveté» quanto mais procuram imitar a arte oficial». In Eduardo Pires de Oliveira, Imagens do Gerês de há Cem Anos, A serra do Gerês do Prof Júlio Henriques, Separata de ‘Terras de Bouro. O Homem e a Serra’. Série Cadernos Culturais nº 2, Câmara Municipal de Terras de Bouro, 1992.

Continua
Cortesia da CM de Terras de Bouro/JDACT