sábado, 11 de fevereiro de 2012

Fernando Correia de Oliveira: 500 anos de Contactos Luso-Chineses. «Ao contrário de Álvares, que nunca mais regressaria a Portugal, Rafael Perestrelo chegou a Lisboa no Verão de 1518, tornando-se o primeiro português, ainda que de origem italiana, a concluir uma viagem de ida e volta entre Portugal e a China […]; foi também o primeiro europeu que o fez seguindo uma via exclusivamente marítima»

Cortesia de foriente

A Chegada a Guangzhou
«A pimenta de Samatra encontrou clientes no porto de Guangzhou, o regresso fez-se carregando produtos chineses para negociar em Malaca e não para serem levados para Lisboa. A chegada dos portugueses ao litoral do Celeste Império satisfez, assim, o desejo do monarca Manuel I de alargar o mais possível a sua influência e, ao mesmo tempo, a política de Afonso de Albuquerque, que procurou tornar Portugal uma potência asiática, privilegiando o comércio "da Índia para a Índia". Segundo Albuquerque, compensaria mais à coroa portuguesa, por intermédio do Estado da Índia, o envolvimento português nessas redes inter-asiáticas do que na novíssima ‘Rota do Cabo’.

Jorge Álvares chegou a Malaca em Março ou Abril de 1514, mas só no ano seguinte uma nova missão exploratória demandou a China. Desta vez, a iniciativa não partiu do comandante de Malaca, mas de Goa. O cronista Fernão Lopes de Castanheda diz que, em 1515, Bartolomeu Perestrelochegara [...] da Índia por mandado do governador para ser feitor de Malaca e provedor da Fazenda e com ele seu irmão Rafael Perestrelo para ir descobrir a China”. Nem Lisboa nem Goa sabiam ainda das explorações e negócios efectuados por Jorge Álvares.

Cortesia de foriente

Rafael seguiu a rota de Álvares, fundeou ao largo de Guangzhou, comerciou sem incidentes e, em 1516, estava de volta a Malaca. Além de um lucro "de vinte para um", trazia a boa nova de que "os chins queriam paz e amizade com os portugueses, e que era muito boa gente", nas palavras de Castanheda. Ao contrário de Álvares, que nunca mais regressaria a Portugal, Rafael chegou a Lisboa no Verão de 1518, tornando-se, muito provavelmente, o primeiro português, ainda que de origem italiana, a concluir uma viagem de ida e volta entre Portugal e a China só interrompida pelas escalas indispensáveis e pelos negócios; foi também o primeiro europeu que o fez seguindo uma via exclusivamente marítima. Demorara quase quatro anos e meio a completá-la.

Entretanto, em 1515, enquanto movia influências para obter do papa uma Inquisição idêntica à que actuava em Castela e Aragão, o rei Manuel I nomeara Fernão Peres de Andrade capitão de uma armada para descobrir a China e o Bengala. Neste tempo de óbvias dificuldades de comunicação, é compreensível que o rei português fosse mandando enviados sem esperar por saber da sorte ou de relatos de outros anteriormente partidos de Lisboa. Apenas com 26 anos, Fernão Peres de Andrade era já um veterano das andanças da Índia, onde servira a coroa entre 1505 e 1518, e combatendo ao lado de Lourenço de Almeida, Francisco de Almeida e Afonso de Albuquerque. Fora, aliás, a escolha deste último para comandar a armada que ficara a defender uma Malaca recém-conquistada.

Cortesia de raiadiplomatica

Segundo alguns historiadores portugueses, a esquadra saída de Lisboa em 1515 marca uma nova etapa no relacionamento luso-chinês, pois já não se trata de um punhado de homens que vinham a bordo de navios de mercadores asiáticos, mas de uma armada que, além de desejar intensificar os negócios, procurava encetar relações diplomáticas. A coroa portuguesa procurava dar uma dimensão política às relações luso-chinesas.
Jorge Álvares e Rafael Perestrelo, embora fossem enviados oficiais das autoridades portuguesas, limitaram-se a comerciar em Guangzhou, sem tentarem estabelecer em nome do rei de Portugal qualquer tipo de relações diplomáticas com os mandarins. Assim, na perspectiva destes, os mercadores lusos eram apenas mais um grupo de estrangeiros que demandavam as suas águas para fazerem comércio tributário, sem grandes alterações à ordem estabelecida desde há séculos.

Mas aos portugueses, habituados à conquista a cargas de canhão, aterrorizando as gentes do Índico, inebriados pelos sucessos militares tão rapidamente conseguidos, o comércio simples não bastava; nada sabiam, afinal, da China. Muito particularmente dos seus rígidos códigos de conduta e diplomacia.
Guangzhou não era Malaca e o Império do Meio não era, em absoluto, um qualquer reinozinho tributário como os que, com maior ou menor facilidade, tinham sido subjugados». In Fernando Correia de Oliveira, 500 anos de Contactos Luso-Chineses, Público, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-8179-28-6.

Cortesia de Fundação Oriente/JDACT