sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Crónica Geral de Espanha de 1344. Luís Krus. «Exemplarmente estudada por Luís Lindley Cintra, foi por ele editada a partir da redacção de cerca de 1400, visto não se ter conservado nenhum manuscrito português da primitiva versão. Posteriormente, Diego Catalán e Maria Soledad de Andrés prepararam a edição da tradução castelhana da redacção original de 1344»

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«Também referenciada por “Segunda Crónica Geral de Espanha”, foi elaborada por Pedro Afonso, conde de Barcelos, em 1344 e refundida cerca de 1400, tendo sido traduzida para castelhano, tanto a refundição como a versão original.
Exemplarmente estudada por Luís Lindley Cintra, foi por ele editada a partir da redacção de cerca de 1400, visto não se ter conservado nenhum manuscrito português da primitiva versão. Posteriormente, Diego Catalán e Maria Soledad de Andrés prepararam a edição da tradução castelhana da redacção original de 1344. Na primitiva versão, a “Crónica” abre com um esquema linhagístico de história universal, baseado, no essencial, em Eusébio e em Jerónimo, seguindo-se duas partes da “Crónica do Mouro Rasis” (a descrição geográfica da península e a história dos últimos reis godos, da invasão muçulmana e dos emires do al-Andalus) intercaladas por uma história genealógica dos reis visigóticos (de Atanarico a Vitiza), extraída, para além da obra historiográfica do bispo Pelaio de Oviedo, de uma versão do “Liber Regum” próxima da do “Livro de Gerações” navarro de 1260-1270, fonte essa retomada, após uma lista da onomástica dos reis da “Reconquista” hispânica, para o relato de uma breve história, quase genealógica, dos soberanos das Astúrias, Leão e Castela (de Pelaio a Alfonso XI), se bem que a partir de Fernando I se utilizem dados provenientes, na sua maioria, da “Tradução da Variante Ampliada da Crónica Geral de Espanha” (Cintra), também conhecida como “Versão Galaico-Portuguesa da Crónica Geral de Espanha” (Catalán). Esta última obra, constituída por duas partes de distinta proveniência (de Ramiro I a Bermudo III e de Fernando I a Fernando III, com base, respectivamente, na “Primeira Crónica Geral” de Alfonso X de Leão e Castela e na “Crónica de Castela”), identifica a principal fonte da última e mais extensa secção da “Crónica de 1344”, a que respeita a uma relativamente desenvolvida história dos reis de Espanha, de Ramiro I à Batalha do Salado (1340), no reinado de Alfonso XI de Castela, incluindo, intercalada no reinado de Alfonso VII de Leão e Castela, a história dos reis de Portugal, baseada, em grande parte, na chamada “Crónica Portuguesa de Espanha e Portugal” (Catalán), um texto também transmitido por uma das “Crónicas Breves de Santa Cruz”, a IV.

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No seu conjunto, a “Crónica de 1344” revela-se fortemente influenciada pela cronística castelhana que teve na obra historiográfica de Alfonso X de Leão e Castela o seu modelo, embora dela se distinga, quer pelo conteúdo quer pela forma. Quanto ao conteúdo, se permanece fiel ao ideário de uma história ibérica onde conflui e se dimensiona o passado dos diversos reinos cristãos da “Reconquista”, incluindo o de Portugal, não deixa de manifestar uma ‘sistemática hostilidade’ (Catalán) para com a dinastia real de Castela e uma paralela tendência para exaltar o contributo regional português na construção da história peninsular, acabando, desse modo, por atenuar a tese afonsina do primado castelhano no protagonismo hispânico. Quanto à forma, se imita o processo de compilação das fontes próprio da cronística afonsina, procede de maneira menos sistemática e organizada, repetindo informações oriundas das distintas fontes disponíveis e cometendo vários atropelos cronológicos na apresentação global das notícias compiladas, reflexos, por sua vez, de um pouco trabalhado plano historiográfico prévio. A consciência destes problemas formais esteve, aliás, bem presente nos objectivos de refundição de cerca de 1400, sendo uma das suas características a de procurar aproximar a crónica ao padrão historiográfico castelhano, tornando-a mais devedora da tradição textual afonsina.

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Com efeito, tal refundição suprimiu todo o inicial esquema linhagístico de história universal, trocando-o por um prólogo e por uma narrativa dos primeiros povoadores da península (até ao senhorio dos gregos) com base na “Primeira Crónica Geral” de Alfonso X, fonte que também aproveitou para intercalar no início do texto onde se reproduzia a “Crónica do Mouro Rasis”, um “Louvor da Espanha” e, mais significativo, para substituir e ampliar grande parte das informações baseadas na versão do “Liber Regum” próxima do “Livro das Gerações” (história dos reis godos, antecedida de uma história do senhorio peninsular dos cartagineses e dos romanos; história dos reis das Astúrias de Pelaio a Alfonso I).

Contudo, embora a refundição de cerca de 1400 contribuísse para uma maior uniformização cronística da redacção original, dela afastando grande parte dos textos de pendor genealógico, não sacrificou a perspectiva com que o conde de Barcelos encarou a história peninsular da “Reconquista”. Motivado para o registo da gesta hispânica num momento marcante da afirmação da unidade ibérica, o da vitória cristã do Salado.

Pedro Afonso concebeu o passado peninsular como herança colectiva de proezas e façanhas, sendo nesse quadro que o Portugal nobiliárquico e régio se devia distinguir como valorizada ‘diferença’, mobilizando-se para cumprir um destino libertador e redentor, tal como melhor se define numa outra obra do conde, o “Livro de Linhagens” ou “Nobiliário”». In Luís Krus, Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa, organização e coordenação de Giulia Lanciani e Giuseppe Tavani, Editorial Caminho, Lisboa, 1993, Fundação C. Gulbenkian, 1997.

Cortesia da FC Gulbenkian/JDACT