quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Guimarães. Paço dos Duques de Bragança: Parte IV. «No seu conjunto, e mesmo nos seus pormenores, esta obra resulta estranhamente deslumbrante, não tendo parceiro, perante o seu carácter artístico e as construções senhoriais do seu tempo, em todo o território da Península Ibérica»

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Paço dos Duques de Bragança
Guimarães
«O padre Torcato Peixoto de Azevedo, nas suas “Memórias ressuscitadas da antiga Guimarães”, escrevia em 1692 acerca dos Paços ducais:
  • «Neste distrito (da vila velha de Guimarães) para a parte do nascente, mandou o Sr. D. Afonso, Duque de Bragança, fundar um palácio, na magestade sem segundo, e o primeiro na arquitectura, feito em quadra, com tão insigne arte, que deixa suspenso o discurso, e a vista embaraçada na repartição da sua fábrica: não se chegou a aperfeiçoar de todo por se acabar primeiro a vida do seu fundador. Nele assistiram alguns dos seus descendentes, de que foi o último o Sr. D. Duarte, e nele acabou a vira santamente a Senhora D. Constança de Noronha, mulher do primeiro fundador…».
Cremos ser este o primeiro autor antigo que afirmou não terem os Paços ducais de Guimarães chegado a concluir-se. Na esteira do padre Peixoto o repetiram e afirmaram também o padre António de Carvalho da Costa na sua “Corografia Portuguesa” ( 1706) e frei Manuel da Mialhada, em 1771.
Em 29 de Dezembro de 1761 lavrou-se um auto de medição dos Paços, onde se encontram notícias curiosas e que, apesar de já conhecido, convém arquivar aqui:
  • «Item sendo medido este Palácio e Paços pela parte do Norte tem de comprido 52 varas e meia; confronta desta parte com olival e igreja de S. Miguel do Castelo; tem por esta banda um alpendre assentado em oito pilares de pedra, para cuja parte tem umas portas fronhas com suas escadas de pedra, entrada do celeiro dos mesmos Paços, e medidos pela parte do poente, tem de largo do Norte a Sul 52 varas e meia; parte com o olival da dita igreja de S. Miguel do Castelo; tem por esta parte duas portas, entradas das lojas, e uma delas é larga e tem por cima um alpendre telhado, assentado em dois pilares de pedra, e sendo medidos pela parte do Sul, tem do nascente a poente 52 varas; confronta com o muro das freiras de Santa Teresa do Carmo, para cuja banda tem muita quantidade de janelas, feitas ao tempo antigo, com suas cruzes de pedra nos largos delas, e medidos pela parte do nascente, tem de Norte a Sul 53 varas, parte e confronta com o muro da vila e rocio que possui Torcato Luís, que fica entre o dito muro e os ditos paços, e por esta banda teem estes paços três torreões de pedra, e no primeiro torreão tem um escadório de pedra, e tem por esta banda muitas janelas e varandas de pedra e tem cruzes de pedra pelo meio e algumas estão tapadas, e outras abertas, entre as ditas janelas estão muitas gelosias pequenas, umas e outras abertas, e dentro destes paços tem o arco de entrada para o lugar onde foi a capela, e o dito arco está firmado sobre seis colunas de pedra de jaspe ou mármore, tem várias chaminés e arcarias, e tem três salas cobertas de telha, que actualmente servem de celeiro, e uma cosinha sobradada com suas janelas para a parte de dentro do palácio, e tem quatro lojas, duas grandes e duas pequenas que servem de celeiro de vinho, e mais despejos…».

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Em 1881, escrevendo do Paço dos Duques de Guimarães, elucidava o padre António José Ferreira Caldas:
  • «…está em parte desmoronado e em parte servindo de quartel militar, onde teem estado, desde os princípios deste século (1807), os seguintes corpos militares: o batalhão 2.º de Olivença; os regimentos 15, 21 e 18 ; o batalhão 14 ; os regimentos 13 e 6 ; o batalhão 7 : os regimentos 6 e 3. E desde 15 de Maio a 26 de Setembro de 1862, por ocasião dos movimentos populares que se deram no Minho, com o título de Maria Bernarda, vieram a esta cidade: infantaria 10 e 15; caçadores 9 e 7 e infantaria 16. Este edifício, com vastas e agigantadas proporções, composto de quatro grandes corpos, que formam no centro um espaçoso pátio, não ostenta espécie alguma de ornatos arquitectónicos ; a não ser o pórtico, o qual dava entrada para a grande sala régia, e as duas formosas e elegantes janelas, que se rasgavam esbeltas e donairosas, ao fundo da mesma, Estas janelas, que são um valioso exemplar do gótico puro, não abarcam menos de sete metros de alto, com mais de três de largo ; pena é que uma delas esteja actualmente defeituosa, por lhe faltar parte do caixilho respectivo. O pórtico, formado de três arcos de ogiva, pousados sobre outras tantas colunas de mármore branco, deitava outrora para a galeria do andar nobre do palácio; e hoje cai sobre o pátio, por se haver desmoronado a fachada deste lado interior. Do lado de fora, para nascente, é esta fachada a mais notável do edifício; formando uma frontaria de três corpos salientes, ligados por outros dois reentrantes. Os das extremidades, terminavam por uma larga varanda, sustentada sobre grandes cachorros de pedra; restando destas uma com as portas, que davam saída para ela, e aparecendo da outra apenas a cachorrada. O corpo central é quase todo ocupado pelas duas soberbas janelas. Sobre este lado, e campeando como se fossem elegantes colunas, simetricamente dispostas, levantam-se altaneiras quatro chaminés de tijolo, muito bem fabricadas, e ainda hoje em perfeito estado de conservação. A fachada sudoeste, rasgada por janelas de diferentes tamanhos, e dispostas muito irregularmente, serve agora de quartel militar a um destacamento: e pela sua vastidão, já tem acomodado em si grandes regimentos. As duas fachadas restantes, apenas hoje se levantam num andar térreo, e nada mais […] Por várias reformas e restaurações tem passado este edifício; sendo uma das mais dispendiosas a concluída a 1 de Janeiro de 1819. Este palácio foi considerado monumento histórico de segunda classe pela Real Associação dos arquitectos civis e arqueólogos portugueses, em assembleia geral de 30 de Dezembro de 1880, cujo extracto se publicou no Diário do Governo nº 62 do ano de 1881; onde se diz que este monumento é um vastíssimo edifício muito interessante para o estado das habitações dos grandes senhores e dos costumes daquela época …».

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Como se vê, o Pr. Ferreira Caldas deixou-nos nestas linhas, que acabamos de transcrever, uma descrição, apesar das suas imperfeições, talvez a mais pormenorizada que dos Paços nos ficou, no século passado.
Em 1886, Vilhena Barbosa repetia, quase pelas mesmas palavras, o que pouco antes escrevera o Pr. Caldas, Apenas o corrige na afirmação do que o portal gótico dava acesso a uma sala régia, quando na verdade o era da capela. E menciona uma alpendrada que corria em todo o comprimento da fachada nordeste.
Esta é, ligeiramente esboçada, e quanto o permitem os poucos documentos até agora conhecidos, a história dos grandiosos paços que fez construir em Guimarães a magnificência do 1º Duque de Bragança.

«No seu conjunto, e mesmo nos seus pormenores, esta obra resulta estranhamente deslumbrante, não tendo parceiro, perante o seu carácter artístico e as construções senhoriais do seu tempo, em todo o território da Península Ibérica». In Boletim 102, Dezembro de 1960, DGIMN, Paço dos Duques de Bragança, Guimarães.

Cortesia do IGESPAR/JDACT