sábado, 26 de novembro de 2011

Fim de Século em Paris. O Mundo existe para desaguar num Livro. «O movimento simbolista, que teve uma expressão em todas as artes do final do século, reagiu contra o materialismo e pragmatismo da sociedade industrial, reivindicando a busca interior e a verdade universal»

A morte de Ofélia, Odilon Redon
Cortesia de naver

«Apesar de Marcel Proust abrir vários caminhos à arte do século XX, a vida e a obra deste escritor, filho ilustre do seu tempo, são uma expressão dos traços mais característicos do “fin du siècle” francês.
Um dos aspectos em que Proust se manifesta como artista do século XX é na sua condição de escritor simbolista. Na sua obra “Em Busca do Tempo Perdido” pode falar-se da mesma ambição de origem romântica que se percebe na obra de Stéphane Mallarmé: fundir numa mesma operação teoria e prática poética, ou seja, criar um «artefacto» literário que seja uma obra de ficção à maneira tradicional, mas que contenha, ao mesmo tempo, toda uma teoria do romance e da arte em geral, que fale em termos rigorosos das relações entre a arte e a vida, e do artista, da sua função e da sua formação: Um romance em que afirma, como Mallarmé, que «o mundo existe para desaguar num livro».

Henri Bergson
Cortesia de artvalue

Na estética simbolista, a ideia reveste-se de forma sensível, expressa-se com uma linguagem literária de musicalidade perfeita e enriquece-se com intenções metafísicas. Esta literatura tentava encontrar o que Baudelaire, precursor deste movimento e considerado o pai da poesia moderna, denominou «correspondências»:
  • As afinidades secretas entre o mundo sensível e o mundo espiritual. Para isso, empregavam recursos como a sinestesia, baseada na fusão dos sentidos. O movimento simbolista, que teve uma expressão em todas as artes do final do século, reagiu contra o materialismo e pragmatismo da sociedade industrial, reivindicando a busca interior e a verdade universal.
Também os sonhos, redescobertos então graças a Freud, deixaram de ser concebidos como imagens irreais para serem considerados um valioso meio de expressão da realidade.

Nota: A filosofia de Henri Bergson, pensador «da moda» em Paris de finais de século na altura em que Proust escrevia (e vencedor do Nobel da Literatura no ano em que este morreu), era uma profunda meditação acerca do tempo e da duração. Por isso, muitas vezes se assinalou a sua influência no romantismo. No entanto, o próprio Proust afirmou a inexactidão desta observação, dado que a diferença entre a memória voluntária e a memória involuntária predominava na sua obra e, na filosofia de Bergson, não só não aparecia como até a contradizia.


Cortesia de wikipedia e ebayco

A favor de Dreyfus
Do ponto de vista social, um dos acontecimentos mais relevantes do fim do século francês foi o «caso Dreyfus», que eclodiu no Outono de 1897 quando os partidários do capitão Dreyfus, condenado a prisão perpétua por traição, publicaram as provas que comprovaram a sua inocência. O caso Dreyfus provocou a divisão da França, e da própria família de Proust, entre os «dreyfusianos» e os «antidreyfusianos»: Proust e a sua mãe, talvez porque Proust fosse judeu, declararam-se a seu favor, ao passo que o seu pai defendia os valores tradicionais. Enquanto a burguesia se manifestou contra, a aristocracia, nacionalista e católica, apostou na culpabilidade de Dreyfus. A 13 de Janeiro, ‘L’Aurore’ publicou o famoso artigo de Zola ‘J’Acuse’ e, no dia seguinte, um manifesto de intelectuais, organizado por Proust, que pediam a revisão do processo. O governo, apoiado pelo exército, a Igreja, os nacionalistas e os anti-semitas, era contrário à revisão. Em Fevereiro de 1899, o presidente Faure foi assassinado e Loubet, um reformador arraigado, foi escolhido para o substituir.

Com ele, a oposição «dreyfusiana» viu o seu caminho livre para forçar um novo julgamento. No entanto, apesar das provas a seu favor, Dreyfus foi mais uma vez considerado culpado. Para apaziguar o assunto, o governo concedeu-lhe o indulto. Decepcionado com a atitude racista e ignóbil demonstrada pela aristocracia, Proust afastou-se dos seus salões». In Gayban Grafie, 2009, ISBN 978-989-651-085-5.

Cortesia de Gayban/JDACT