quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Fialho de Almeida. Carta a D. Luís…: « O partido republicano escrevera no seu programa a abolição total da escravatura: veio a princesa e enfeitou com ela a sua regência! A restauração agrícola era igualmente um dos problemas que a democracia se propunha resolver: e o gabinete Afonso Celso corre a empolgá-lo!»

Cortesia de wikipedia

«A abolição total da escravatura, com que a regente cuidava de sustar por longo tempo ainda a invasão da ideia democrática; a abolição não fez senão subir o nível revolucionário, porque à uma não recrutou complacências no partido republicano, e à outra desviou da coroa os fazendeiros, classe poderosa, privada por aquele decreto dos serviços gratuitos de oitocentos mil trabalhadores e não indemnizada ao depois, como pretendia, dos capitais fabulosos que o mesmo decreto lhe arrancou.

Enquanto Pedro II andava por fora do império, os republicanos do Brasil cuidando que ele só voltasse à pátria, embalsamado, precipitaram por tal forma o movimento insurrecto, que se chegou a temer pela segurança do Estado. Uma campanha inteligentemente conduzida, por homens que desmentindo a indolência lendária da terra, entrecruzavam por todos os focos da vida cívica e rural, a sua rede tenaz de propaganda, fazendo apostolagens nos clubes e nas praças, nas fazendas e nas escolas, afizera o espírito ardente da jovem nacionalidade a dizer alto as suas angústias e os seus sonhos, sem receio às revindictas dinásticas, impotentes de resto a amordaçá-la.
A ponto foi que os adeptos do turbilhão revolucionário, centuplicaram de número e de exaspero, graças à eloquência fogosa, bárbara e um pouco enfática, de cabecilhas como Silva Jardim, Quintino Bocayuva, Lopes Trovão, José do Patrocínio, etc.

jdact

A propaganda foi tão rápida, enérgica e fulgurante, que a breve trecho núcleos de subversão romperam a harmonia fictícia do império, quer pelos campos, quer pelas cidades intelectuais e comerciantes, fecundados pelos apóstolos videntes que dissemos; sendo necessário que as autoridades viessem reprimir a efervescência dos ânimos, proibindo comícios, metendo em processo jornais e jornalistas, e até valendo-se da força armada muitas vezes.
Desde que a realeza é pois no Brasil uma agonia, o papel dos seus médicos sem esperança, e dos seus lacaios sem esteio moral, consistirá simplesmente em transigir com o partido forte, revestindo a covardia do acto em ouropéis de cerimonial dinástico, que já sem querer darão ao Estado um exterior da antiga galhardia. O partido republicano escrevera no seu programa a abolição total da escravatura: veio a princesa e enfeitou com ela a sua regência! A restauração agrícola era igualmente um dos problemas que a democracia se propunha resolver: e o gabinete Afonso Celso corre a empolgá-lo!

Para inutilizar os galões da onda revolucionária, o governo imperial que não pôde impor-lhe diques de ideias, manda ao seu encontro os esquadrões - e vêm os conflitos de Bagé, de Jundiahy, de ltapoana, de S. Paulo e de Minas Gerais – encarrega a calúnia de morder no calcanhar dos vencedores: e vem a comédia do regicídio, à saída do teatro de Sant'Ana.

A última fotografia
Cortesia de bibliotecaimaginaria

Por mais que tenha feito a crítica do Rio para varrer da hombridade do actual ministério a suspeita desta farsada regicida, sempre a opinião converge teimosamente a ela, por encontrar porto bloqueado a qualquer outra hipótese plausível. Jamais alguém pensou no Brasil em atribuir o tiro de Adriano do Vale a sugestões republicanas. A democracia brasileira bate de frente, sem recorrer como a nossa, a chicanas, nem como a espanhola, a banditismos.

Ninguém pensa tão-pouco em explicar o tiro pela impulsão de um degenerado e de um maníaco. Ninguém o explica por determinação espontânea de um arrebatado, filha de um exaspero de ideias de natureza política ou filosófica. E aquele desconhecido que dá cognac antes de sugerir a tentativa de morte ao rapazola... aquele conde d'Eu que faz postar denunciantes no caminho dos Bernardinos e dos Lírios... a teimosia da polícia em tornar o assassino cúmplice de uma conspiração republicana... todos estes episódios convergem diabolicamente a creditar a existência de uma pantomima ministro-policial, mal construída em verdade, e ainda piormente executada». In Fialho de Almeida, Carta a D. Luís sobre as Vantagens de ser Assassinado, Assírio & Alvim, edição 1343, 2010, ISBN 978-972-37-1441-8.

Cortesia Assírio & Alvim/JDACT