quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A Bela Poesia. Herberto Helder. O Bebedor Nocturno. «Tanto se alvora meu coração, de puro amor, que metade da minha cabeleira se desfaz, quando corro ao teu encontro»

Cortesia de poesiawm

Fragmento do Cairo
Quando eu a cinjo e ela me abre os braços,
Sou como um homem que regressa da Arábia,
Impregnado de perfumes.

Desço o rio numa barca,
ao ritmo dos remadores.
Com um feixe de canas ao ombro,
vou para Mênfis,
e direi a Ptah, senhor da verdade:
«dá-me esta noite a minha amada».
Este deus é como um rio de vinho,
com seus maciços de canas.
E a deusa Sekhmet é como se fosse a sua moita de flores.

E a deusa Earit, seu lótus em botão.
E o seu lótus aberto, o deus Nefertum.

- E a minha amada será feliz.

Levanta-se a aurora através da sua beleza.
Mênfis é um cesto de tomates
posto frente ao deus de rosto puro.

Bom é mergulhar, bom,
ó deus meu amigo,
é banhar-me diante de ti.
Adivinhas-me quando se molha
minha túnica de fino linho real.
E juntos entramos nas águas,
e à tua frente eu saio das águas,
agarrando entre os dedos
um estupendo peixe encarnado.
- Olha para mim.

Tanto se alvora meu coração, de puro amor,
que metade da minha cabeleira se desfaz,
quando corro ao teu encontro.

Para que me vejas sempre igual e bela
diante de ti,
eu componho os meus cabelos.
Poema de Herberto Helder, in «O Bebedor Nocturno»

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