quinta-feira, 17 de novembro de 2011

António José de Noronha. Diário de Viagem. «… redige o seu diário a bordo do navio que o leva ao Oriente, de maneira que no momento em que chega a Goa o texto está pronto. Sendo a intenção a de entregar esta obra, como as outras elaboradas precedentemente em Lisboa, Marquês de Pombal, o Autor manda copiar o texto para conservar um exemplar»

Plano e perspectiva do sítio da Praça do Piro, 1768
Cortesia de foriente

Diário dos sucessos da viagem que fez do Reino de Portugal para a cidade de Goa, principiada aos 21 de Abril de 1773

Manuscrito e critérios de edição
«O texto intitulado “Diário dos sucessos da viagem que fez do Reino de Portugal para [a] cidade [de] Goa, Dom António Jozé de Noronha, Bispo de Halicarnasse, principiada aos 2l.º de Abril de 1773”, é hoje conhecido graças à existência na Biblioteca Nacional de Lisboa (de Portugal) (cod. 11378) de um manuscrito proveniente da colecção de Victor Perez. Trata-se de uma cópia do século XVIII constituída por 94 folhas numeradas, formato 210 x 150 mm. O manuscrito ostenta uma encadernação da época em pele com ferros dourados e, na lombada, o rótulo José de Noronha / Viagem / Que Fez / De Portugal / Para / Cidade Goa.

Uma comparação com as outras obras manuscritas de D. António José de Noronha revela tratar-se de uma cópia efectuada por um copista diferente dos que transcreveram, por exemplo, o “Sistema Marcial, Asiático; o Árbítrìo para a expulsão dos denominados Jesuítas das Missões Orientaes; a Narração Recupilada da Cidade de Sancto Thomé de Meliapor e suas Aldeas, a Dedução cronológica de algumas infracções dos Tratados da Paz praticadas pelos Inglezes nos Estados da Índia desde o ano de 1728 ‘té o de 1769; ou o Manifesto Apologético e Crítico”.
Enquanto estas obras nos surgem transcritas esmeradamente, sem erros significativos, o manuscrito do Diário revela-se bastante descuidado quer na qualidade da grafia quer no número elevado de erros evidentes: repetições, lacunas de uma ou mais palavras, erros de transcrição, etc. Todavia, o facto de a mesma mão aparecer nalgumas cartas inseridas numa Miscelânea conservada hoje na Biblioteca Municipal de Évora, em que se guarda documentação concernente ao Autor, pode oferecer indicações preciosas relativamente à história textual da obra.

Pouco tempo passado sobre o seu regresso a Goa, D. António José de Noronha escreve um longo relatório «aos Senhores do Ministério» em que representa a situação política de Goa, as relações com alguns potentados orientais e com outras potências europeias, dando notícia de questões pessoais em que estavam porém envolvidas personagens de relevo da política goesa. O título actual deste relatório é “Cópia da carta que se mandou ao[s] Senhores do Ministério”, com o texto estruturado em grandes capítulos, dos quais um se intitula: «Da minha viagem, pertenções e execução do Real Decreto». No exórdio deste capítulo o Autor afirma que:
  • Da Bahia tive a honra de escrever a V. Ex.ª largamente e como tenho agora de remeter incluso o meu jornal, não quero tomar o precioso tempo de V- Ex.ª com uma repitição. Só exporei algumas circunstâncias que me parecem dignas da atenção de V Ex.ª e, se for algum tanto extenso não é por falta de vontade de abreviar mas sim porque não quero ficar com escrúpulos em deixar mal entendidas as palavras: as minhas, bem sabe V Ex.ª que sempre forão sem equívocos e sem paixão.
A informação contida neste trecho também nos permite aventar algumas hipóteses acerca da história do “Diário” que nos interessa.
Cortesia de foriente

D. António José redige o seu diário a bordo do navio que o leva ao Oriente, de maneira que no momento em que chega a Goa o texto está pronto. Sendo a intenção a de entregar esta obra, como as outras elaboradas precedentemente em Lisboa, Marquês de Pombal, o Autor manda copiar o texto para conservar um exemplar.
Prática amplamente documentada dado que D. António José de Noronha guarda rigorosamente todos os documentos que considera significativos e grande parte das cartes que escreve durante a sua complexa carreira. O facto de o copista que transcreveu o manuscrito do Diário ser conhecido hoje como o mesmo que também copiou o texto da relação enviada aos «Senhores do Ministério», indica que a cópia não foi redigida em Portugal, com base no exemplar enviado ao Marquês de Pombal, mas em Goa, antes da partida da monção de 1774 em que a documentação foi enviada. Esta circunstância explicaria também algumas das características do manuscrito:
  • A necessidade de a preparar com urgência para a monção poderia ter obrigado o Autor a mandar realizar não só rapidamente uma cópia da obra mas também de utilizar um copista menos atento do que aqueles que normalmente empregava. Nestas circunstâncias, encontrariam também explicação os numerosos erros detectáveis e, mais em geral, a qualidade do manuscrito no seu todo.
As dificuldades que D. António José encontra ao preparar em poucos dias a sua correspondência, antes da partida para Lisboa da nau “Caridade” depreende-se claramente deste trecho inserido no “Diário”:
  • Continuarão-se as visitas e eu sempre molestado com a mesma defluxão e dores de dentes e obrigado e escrever as cartas de monção e muitas da minha leitra.
Na transcrição do texto foi adoptado um critério de ponderada actualização da grafia, o mesmo utilizado na edição da principal obra de D. António José de Noronha, o “Sistema Marcial Asiático”.


Cortesia de mwlwikipedia e oldphotosbombay

Neste processo, as folhas do manuscrito foram assinaladas entre parênteses rectos com a indicação rº e vº. As variantes do manuscrito, indicadas com numeração progressiva entre parênteses oblíquos < >, foram colocadas em pé de página. As dúvidas de leitura foram assinaladas com [?], enquanto que as integrações de palavras ou letras foram indicadas com parênteses rectos. Frente a um texto que apresenta numerosos problemas de decifração e de interpretação, nos casos de lacunas não unidireccionalmente solúveis foi escolhida uma atitude de cautela, sendo as lacunas indicadas com [...] . No respeito do mesmo critério, quando não foi possível proceder a uma correcção satisfatória de frases em que aparecem erros de transcrição ou lacunas múltiplas para cuja correcção ou integração não foi encontrada uma solução unívoca, foi conservada a formulação da frase transmitida pelo manuscritos.
O critério de conservação da realidade manuscrita foi respeitado também no caso de formas linguísticas erradas no quadro do sistema do Português normativo mas que se revelam característica da época e da “langue” peculiar do Autor, fortemente marcada não só pelo Português falado no Oriente mas também pelo plurilinguismo. O Autor, como ele próprio declara em numerosas ocasiões falava algumas línguas europeias e várias orientais, mas é o Francês, dado ter frequentado Pondichéry e a comunidade francesa, que marca consideravelmente a sua linguagem.

Como peculiaridade do texto foi conservada e grafia “ex” por “eis”, já que aparece em toda a obra. De um ponto de vista náutico revela-se na obra a presença de algumas incongruências constantes, como “veste e vante e milhas e minutos”, que escolhemos conservar na forma em que aparecem, mas que ficam esclarificadas no Posfácio de Francisco Contente Domingues». In D. António José de Noronha, Diário da Viagem, Carmen Radulet, Fundação Oriente, Biblioteca Nacional, 1995, ISBN 972-9440-51-4, ISBN 972-9440-50-6 (Col.).

Continua
Cortesia da Fundação Oriente/JDACT