sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Peter Borschberg. O comércio de âmbar cinzento asiático na época moderna, séculos XV a XVIII: «O âmbar cinzento é feito com as impurezas metabólicas dos cachalotes que se alimentam principalmente de chocos. Apenas três em cada cem cachalotes adultos produzem este recremento digestivo»

Raksasa a cavalo a caminho da batalha
Cortesia de foriente

Para uma compreensão da substância fragrante "âmbar cinzento"
«O âmbar cinzento, uma substância odorífera compacta rara e extremamente valiosa, cuja origem precisa esteve durante muito tempo envolta em mistério. O âmbar cinzento era muito usado, não só na Europa como por toda a Ásia.
O âmbar cinzento surgia como um dos poucos produtos que os comerciantes europeus, e em particular os portugueses, podiam fornecer à China com boas e fiáveis margens de lucro. Por muito cara e lucrativa que fosse esta mercadoria, contudo, a oferta era quase sempre escassa e o lucro total do comércio de âmbar cinzento acabava por se ver diminuído perante os ganhos em mercadorias por grosso, como os têxteis e as especiarias.
O âmbar cinzento é feito com as impurezas metabólicas dos cachalotes que se alimentam principalmente de chocos. Apenas três em cada cem cachalotes adultos produzem este recremento digestivo. O âmbar cinzento não é produzido como uma reacção patológica e, não sendo vomitado é, mais propriamente, excretado por baleias saudáveis. O âmbar cinzento é raro, não só devido ao relativamente pequeno número de cachalotes que o produzem, mas também porque muito poucos dos bocados excretados aguentam os elementos tempo suficiente para serem lançados à praia.

O âmbar cinzento recolhido como destroço pode conter restos compactados, tal como mandíbulas, resultantes da dieta à base de lulas das baleias. A estrutura em camadas circulares e a variedade de cores do sedimento compacto são os traços visuais mais distintivos. As fontes seiscentistas e setecentistas sugerem que grandes pedaços de âmbar cinzento pesando até 200 libras foram encontrados, mas trata-se claramente de excepções e os ainda maiores são pura fantasia ou um caso grave de fanfarrice.
O âmbar cinzento recentemente excretado exala o cheiro das fezes, descritas como «excremento de vaca com um odor a queimado» por Engelbert Kaempfer, um físico alemão que trabalhava na Companhia Holandesa das Índias Orientais (VOC) no final do século XVII.

Pedaço de âmbar cinzento
Cortesia de foriente

Como é que esta massa pútrida se transforma na tão valiosa substância fragrante? O grosso do âmbar cinzento consiste em dois metabolitos de colesterol gordos e amarelados, 30 a 40% e ambreína de álcool triterpenóide inodora e incolor (25 a 45%). Através de uma degradação auto-oxidante durante o envelhecimento, e sob os efeitos do ar e do sol, a ambreína produz componentes voláteis (em particular ambróxido) que contém o seu odor característico. Este processo de oxidação acontece naturalmente quando os bocados excretados são revolvidos pelo mar e expostos à luz directa do sol e ao ar.
O âmbar cinzento seco com altos níveis de ambróxido exala um cheiro que lembra o musgo, o melão, a madeira e talvez até um pouco as algas. Um olfacto humano não treinado provavelmente evitaria o perfume do âmbar cinzento em favor de fragrâncias florais de odor mais forte, ou outras essências de animais como almíscar e civeta, todas elas entre as preferidas, mais dispendiosas e mais comercializadas fragrâncias do mundo moderno.

Algumas considerações acerca da terminologia e etimologia
Um dos obstáculos à decifração da história moderna do comércio de âmbar cinzento é a grande confusão existente entre âmbar cinzento e âmbar de resina fossilizada, ambos extensivamente comercializados pelas nações marítimas europeias com o Extremo Oriente.
Desde os tempos homéricos que era conhecida uma substância que mal flutuava, era recolhida na praia, podia variar de cor entre o branco leitoso, o dourado, o castanho e o preto, ardia deixando poucas ou nenhumas cinzas, produzia uma fragrância agradável, podia ser liquefeita e era usada na medicina e na meditação.

Representação do pedaço de âmbar cinzento
Cortesia de foriente

Os gregos da antiguidade clássica chamavam a esta substância “elektron”, um termo genérico que era aplicado a todos os betumes endurecidos que não fossem pretos. Os romanos chamavam-lhe correctamente “sucinum” visto ser um suco congelado, embora não o suco da árvore, como eles pensavam. Esta crítica a Plínio e Tácito, feita em 1546 por George Agricola na obra mais completa de mineralogia produzida em mais de um milénio, dava o tom definitivo:
  • o âmbar era um tipo de betume solidifìcado.
No século VI o físico greco-bizantino Aécio introduziu uma nova substância que continha todas estas propriedades, excepto que era mais macia e opaca. Descreveu-a como “ampar”, que tem uma raiz árabe (h)ambar, comummente latinizado para “ambra”. Avicenna, e os que seguiram o «príncipe dos físicos» persa nos séculos seguintes, afirmou que o “ambra” era uma essência congelada e odorante extraída das entranhas da terra, e esta opinião prevaleceu nos círculos cultos. Sennert (1629) incluiu o “ambra odorata” (âmbar cinzento) no seu capítulo em «Bitumen» e Boécio falava do âmbar cinzento na sua enciclopédia de pedras preciosas. Kaempfer reduziu a principal característica distintiva do âmbar a uma só:
  • “O âmbar, como o âmbar cinzento, é uma gordura subterrânea endurecida pelo sal, e o ar, mas é translúcida”.
Em 1736 o físico escocês Boswell estipulava na sua dissertação doutoral que «Sucinum é ambra e ambra é sucinum» o que tornava as duas substâncias virtualmente idênticas, excepto na idade». In Peter Borschberg, O comércio de âmbar cinzento asiático na época moderna, séculos XV a XVIII, Fundação Oriente nº 8, Carla Alferes Pinto, ISBN 977-16-4527-7.
Cortesia da F. Oriente/JDACT