domingo, 16 de outubro de 2011

Belver. Nota histórica do Castelo. «Diz-se, com efeito, que o nome de Belver (desde então ali fixado com honras de topónimo histórico) foi proposto por D. Sancho, quando ele e os seus companheiros, no alto do alcantilado morro, admiraram pela primeira vez o maravilhoso panorama que a seus olhos se ofereceu»

A planta da fortaleza
Cortesia de monumentos

É na invasão sarracena de 1190, capitaneada pelo famoso Iacub Al-Mansur, que pode procurar-se a verdadeira origem do castelo de Belver. D. Sancho I, que já cinco anos antes havia recebido, com o trono português, a pesada herança de seu pai, vendo então recuar mais uma vez até ao curso do Tejo a fronteira meridional do seu reino, além da qual só Évora, a valorosa, ficara em poder dos cristãos, reconheceu que, tanto para se reparar algum dia o desastre sofrido, como para se evitar outro ainda maior, urgia fortalecer a defesa daquela fronteira, alargando com novas doações territoriais a área confiada à guarda das quatro Ordens militares que mais e melhor o tinham servido:
  • a do Templo,
  • a dos Hospitalários de S. João de Jerusalém,
  • a de Évora ou de Avis,
  • a de S. Tiago da Espada.
Sobretudo as duas primeiras, que D. Afonso Henriques sempre considerara como as mais fortes colunas do trono conquistado. Estudando com aqueles de quem mais fiava, ordinariamente, a solução dos graves problemas que então dificultavam a vida e o progresso da Nação, mentores guerreiros, que nem sempre escutava, e mentores religiosos, que raramente desatendia, todos convieram na necessidade de se fortificar, com mais acerto e sem demora, toda a margem direita do Tejo, não só entre Santarém e Abrantes, mas ainda mais para o Levante, ao longo da extensa e sinuosa linha de alcantis que ali acompanha o rio até às formidáveis gargantas de Ródão. Certo, não muito longe, em Tomar e imediações, velavam já os esforçados cavaleiros do Templo; mas isso não bastava para livrar do perigo, sempre iminente, a extensa fronteira que era necessário proteger.

Cortesia de monumentos

Assim D. Sancho, ampliando embora, naquele transe, a área de defesa a cargo dos Templários, obstinou-se em confiar a outros campeões de igual valor, os Hospitalários de S. João de Jerusalém, um dos mais arriscados postos de vigilância, naquela região tão distante da terra de Leça, onde esses denodados cavaleiros tinham fixado a sua casa capitular logo após as generosas concessões com que os amerceara a rainha D. Teresa.

Na doação das chamadas «Terras de Guidimtesta», o Rei português impôs-lhes expressamente a obrigação de construírem um poderoso castelo sobranceiro ao Tejo, e no local mais conveniente à defesa da fronteira. Esse local, um cabeço rochoso, de cujo cume se descobria não só grande parte do rio, mas todas as terras circunjacentes, aquém e além do seu curso, foi escolhido provavelmente pelo prior da Ordem, D. Afonso Pais, senão pelo próprio monarca. Diz-se, com efeito, que o nome de Belver (desde então ali fixado com honras de topónimo histórico) foi proposto por D. Sancho, quando ele e os seus companheiros, no alto do alcantilado morro, admiraram pela primeira vez o maravilhoso panorama que a seus olhos se ofereceu.
O priorado da ordem, que já nessa época demonstrara, na construção da Casa Mestral de Leça, a nobreza das suas iniciativas e o saber dos seus «mestres de pedraria», não retardou, em obediência às cláusulas do pacto firmado com o Rei, a obra que devia celebrizar, em vários lances da nossa História, o nome de Belver. Tem-se dito que a carta de doação de D. Sancho I data de 13 de Junho de 1194, e que os trabalhos da edificação do Castelo, apesar de empreendidos logo em seguida e com a maior diligência, só se concluíram em 1212-isto é, 18 anos depois.

Cortesia de monumentos

Na indicação desta última data (e talvez também na da primeira) deve haver erro ou confusão, pois é certo que em 1210, no mês de Outubro, quando D. Sancho ditou o seu testamento na presença das «pessoas mais principais do Reino», devidamente ajuramentadas, como seu filho D. Afonso, sucessor do trono, o Arcebispo de Braga, os Priores de Santa Cruz, do Hospital, do Templo, etc, já o Castelo se achava construído e ocupado pelos cavaleiros da Ordem. Ali mesmo, na fortaleza de Belver, sob a guarda do «Prior do Hospital de Jerusalém», conservava-se então, como expressamente declara o monarca testador, uma parte importante dos 500.000 maravedis de ouro e 1.400 marcos de prata por ele destinados àqueles piedosos legados, esmolas e «bens de alma», que sempre incluíam nas suas últimas disposições os poderosos da época.

NOTA: Os restantes depositários desta reserva do erário real eram, conforme relata Rui de Pina, o «Mestre da Freiria de Évora, que agora é de Avis» o lícrilrc do Templo, o Abade de Alcobaça e o Prior de Santa Cruz de Coimbra (Crónica de El-Rei D. Sancho I).

Esta circunstância, além de provar que a data da edificação do Castelo antecedeu em verdade a que geralmente se lhe atribui, permite supor também que a transferência do priorado da Ordem do Hospital, do mosteiro de Leça para Belver, se realizou muito mais cedo do que se tem afirmado, e porventura logo após a conclusão da fortaleza. Parece admissível, de facto, que o Castelo de Belver tenha sido a Casa-mãe dos Hospitalários durante mais de um século, visto que só em 1350, por determinação de D. Álvaro Gonçalves Pereira, então prior da Ordem, se efectuou a mudança para o Crato.
Quem delineou, naqueles remotos anos em que o valor guerreiro era mais comum que o saber guerreiro, a traça desse ninho de águias defendido e prestigiado pela cruz de oito pontas dos freires de S. João de Jerusalém? Ignora-se. Mas essa Ordem famosa, constituída pelos mais fortes cavaleiros de Portugal (entre os quais não eram raros os que, pelejando em terras estranhas, tinham aprendido, tanto com aliados como com inimigos, o que uns e outros deviam, por seu turno, à experiência ou à lição alheias, conseguiu realizar ali uma obra bem digna da fama que em todo o mundo cristão celebrava os seus feitos». In O Castelo de Belver, Boletim da DGEMN nº 46, 1946.

Cortesia de DGEMN/IGESPAR/JDACT