quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A Bela Poesia. Luís de Camões. Sonetos. Primeiro período (1540-1547): Ciclo Idílico. «Que mor glória na vida se oferece que ocupar-se em vós o pensamento? Toda a pena cruel, todo o tormento, em ver-vos, se não sente, mas esquece»

Cortesia de portefoliodigitalmarisalp

Nem o tremendo estrépito da guerra,
com armas, com incêndios espantosos,
que despacham pelouros perigosos,
bastantes a abalar uma alta serra,

podem pôr medo a quem nenhum encerra,
depois qie viu os olhos tão formosos,
por quem o horror nos casos pavorosos
de mim todo se aparta e se desterra.

A vida posso ao fogo e ferro dar,
e perdê-la em qualquer duro perigo,
e nele, como Fénix, renovar.

Não pode mal haver para comigo,
de que eu já não possa bem livrar,
senão do que me ordena Amor imigo.

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Se pena por amar-vos se merece,
quem dela livre está, ou quem isento?
Que alma, que razão, que entendimento
em ver-vos não se rende e obedece?

Que mor glória na vida se oferece
que ocupar-se em vós o pensamento?
Toda a pena cruel, todo o tormento,
em ver-vos, se não sente, mas esquece.

Mas se merece pena quem amando
contino vos está, se vos ofende,
o mundo matareis, que todo é vosso.

Em mim podeis, Senhora, ir começando,
que claro se conhece e bem se entende
amar-vos quanto devo e quanto posso.
Luís de Camões, «in Sonetos»

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