quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Nuno Crato: A Matemática das Coisas. Coisas do dia-a-dia. «O Su doku não é um jogo nipónico. Apareceu na década de 1970 no magazine nova-iorquino «Math Puzzles and Logic Problems». Chamava-se na altura “Number Place”. Foi posteriormente publicado num jornal japonês com um nome mais comprido, depois abreviado para “Su Doku ».

Cortesia de funnycoloring

Números Cruzados
«O nome do jogo é intrigante. É «Su Doku». É japonês, com certeza, «su» vem de número, ou contagem, e «doku» de “solteiro” ou “único”. É um jogo em que é necessário colocar números numa posição vaga. E há uma única solução certa. Mas, ao contrário do que se possa pensar, o Su doku não é um jogo nipónico. Apareceu na década de 1970 no magazine nova-iorquino «Math Puzzles and Logic Problems». Chamava-se na altura “Number Place”. Foi posteriormente publicado num jornal japonês com um nome mais comprido, depois abreviado para “Su Doku”. Tornou-se muito popular no império do Sol nascente. Em 1997, um juiz neozelandês reformado chamado Wayne Gould entusiasmou-se com o jogo e começou a escrever um programa de computador para o estudar. Demorou seis anos a concluir esse programa, mas passou a poder gerar problemas em velocidade recorde. Gould convenceu o “Times” londrino a usar o produto do seu trabalho e a febre chegou à Europa.

Em 12 de Novembro de 2004, o vetusto “Times” deu o sinal de partida começando a publicar problemas nas suas páginas. Poucos dias depois, “The Daily Mail” contratou outro fornecedor e começou também a publicar essas charadas. Foram logo seguidos por “The Sun”, “Daily Telegraph”, “The Obseraer”, “The Guardian”... de tal forma que praticamente toda a imprensa inglesa traz hoje problemas de Su doku nas suas páginas. Em Portugal vários diários lhes seguiram as pisadas. A vizinha Espanha foi contagiada pela febre. Em muitos países, um livro publicado pelo Times ficou vários meses na lista dos mais vendidos. O jogo pode já ser descarregado nos telemóveis. Vendem-se versões diversas de programas na Internet, muitas vezes com período de teste grátis (por exemplo, www.sudoku.com). Da Nova Zelândia à Sérvia, passando por Israel e pela África do Sul, há diariamente milhões de pessoas a preencher os quadradinhos do Su doku. O Su doku é um jogo típico do início do século XXI. Tem números e não palavras, e pode pois circular rapidamente em todo o mundo. Pode-se jogar na Internet e até competir em tempo real com concorrentes de todo o mundo.
Cortesia de unavailableforbidden

A sua dificuldade é variável. Os casos mais fáceis podem ser resolvidos em poucos minutos por qualquer pessoa. Os mais complexos podem levar horas a um jogador já treinado. Mas raramente os problemas podem ser tão difíceis que forcem alguém muito interessado a desistir. O Su doku é uma tabela de nove por nove, com 81 casas, portanto, que deve ser totalmente preenchida com nove algarismos diferentes, de 1 a 9 (poder-se-iam usar cores ou outros símbolos). Mas os algarismos não se podem repetir nem em linha nem em coluna. Tecnicamente, diz-se que se trata de uma «tabela latina» ou de um «quadrado latino». A história desta entidade matemática é tão antiga como apaixonante. Ao que parece, as tabelas latinas foram pela primeira vez concebidas pelo genial matemático suíço Leonard Euler (1707-83) no contexto de problemas de afectação de recursos. Euler imaginava seis patentes de oficial e seis tipos de regimentos. Procurava enquadrar 36 oficiais nos regimentos, de forma que cada um deles tivesse seis oficiais, mas um de cada patente. Como habitualmente se passa com problemas matemáticos, Euler formulou diversas conjecturas sobre estes «quadrados mágicos». Uma delas, sobre os chamados «quadrados ortogonais», prolongou-se até à actualidade, só tendo sido resolvida cabalmente em 1960.

As tabelas latinas têm sido utilizadas em estatística para resolver problemas de delineamento de experiências. Ronald A. Fisher (1890-1962), habitualmente considerado o pai da estatística moderna, usou-as para experiências em que três factores diferentes eram combinados de forma completa. Um exemplo clássico é o do estudo de quatro marcas de pneus, usando quatro viaturas diferentes. Para evitar que tanto o tipo de viatura como a posição do pneu (à frente ou atrás, à esquerda ou à direita) perturbem as conclusões da experiência, colocam-se em cada viatura quatro pneus das quatro marcas diferentes, mas cada marca em seu lugar sem repetições. Assim, por exemplo, na roda esquerda da frente do carro 1 coloca-se um pneu da marca A, na roda da frente da direita do mesmo carro coloca-se um pneu da marca B, e assim por diante, nunca pondo dois pneus da mesma marca na mesma viatura. Passando ao carro seguinte, já a marca A não se pode colocar na roda direita da frente e assim por diante, de forma que nunca dois pneus da mesma marca repitam a sua posição nas rodas dos diferentes carros. Construindo uma tabela em que os pneus de cada viatura preenchem uma linha e em que as quatro posições possíveis (à frente ou atrás, à direita ou à esquerda) aparecem em coluna, encontra-se a uma tabela latina. Percebe-se que a inexistência de repetições favorece a análise estatística, pois a resistência de cada marca de pneus é avaliada com viaturas diferentes e em posições diferentes. Não pode pois atribuir-se o desgaste de pneus a diferenças nos carros ou a diferenças de esforço das rodas, e reduzem-se os efeitos dos inevitáveis erros.

jdact

A tabela latina do Su doku apresenta-se parcialmente preenchida, o jogador é desafiado a preenchê-la gerando uma tabela latina completa. Ainda antes da criação do Su doku, já este problema tinha sido muito estudado. Os investigadores de ciências da computação mostraram tratar-se de um problema difícil, de uma classe dita «NP-completa». Curiosamente, a dificuldade de cada problema deste tipo depende do número de casas já preenchidas. Como é fácil de entender, se poucas casas estiverem à partida preenchidas, o problema será fácil de resolver pois há muitas soluções possíveis. Inversamente, se muitas casas estiverem preenchidas, as hipóteses são poucas e o problema é igualmente fácil de resolver. As maiores dificuldades surgem na zona intermédia, a que se veio a chamar «transição de fase».
Nas tabelas latinas simples, a transição de fase processa-se perto da proporção mágica de 42 por cento. No Su doku não é exactamente assim, pois há restrições adicionais e os problemas, se forem bem construídos, apenas têm uma solução.
A grande inovação do Su doku é a existência de regiões dentro de cada tabela. O quadrado maior, de 81 casas, está dividido em nove quadrados menores, de nove casas cada uma. Parece que o problema se complica, mas isso não é verdade. Torna-se mais simples e também mais interessante». In Nuno Crato, A Matemática das Coisas, Gradiva, Sociedade Portuguesa de Matemática, Abril 2008, ISBN 978-989-616-241-2.

Cortesia de Gradiva/JDACT