domingo, 28 de agosto de 2011

Poesia. Lília da Fonseca. Poemas da Hora Presente. «Quis cantar e a voz ficou-se no espaço onde um pássaro voava, era da cor do pensamento que é mais vasto do que o espaço, que é mais vasto do que tudo»

Cortesia de orion

Cantico ao Amanhecer
Eu já não sou aquele frágil ser
que morria de angústia e desespero
por ir vogando, vogando sem rumo,
vogando, vogando na corrente da vida
para a morte…

Chocada,
magoada,
sensitiva…

Que formosura na sombra do mundo amanheceu,
que perfume de primavera estua nos caminhos,
que tudo se transforma
e acorda em sobressalto!
Eu dei as minhas mãos às mãos que vi estendidas,
juntei a minha voz ao cântico do amanhecer,
que reboa comovidamente
pleno de esperança e juventude,
e confundi meu coração
com os de todos os irmãos da minha humanidade.

E o frágil ser,
Chocado, magoado, sensitivo,
Morreu…

E só então pude exclamar:
Vida, vida, como eu te atraiçoava,
esperando tudo de ti
sem nada de mim te dar!

Na sombra do mundo estua a primavera
como sinal de um cântico que amanheceu!


Ó tu, que vens do fundo da noite!
Quis gritar
e o grito morreu numa floresta de sonho.

Quis cantar
e a voz ficou-se no espaço
onde um pássaro voava
(não era azul, nem cinzento, nem verde)
era da cor do pensamento
que é mais vasto do que o espaço,
que é mais vasto do que tudo.

Quis chorar
e nas montanhas
das pedras nasceram homens, dos homens nasceram uivos...
e sem gritos, sem Cantos, sem choros
eu encontrei-te, o tu,
que vens do fundo da noite...
Poemas de Lília da Fonseca, in «Poemas da Hora Presente»
(1958)


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