terça-feira, 23 de agosto de 2011

História da Maçonaria em Portugal: Das Origens ao Triunfo. A. H. Oliveira Marques. «A acreditar nas declarações feitas aos inquisidores alguns meses mais tarde, a loja irlandesa terá abatido colunas logo que foi conhecida a existência da bula papal, em Junho de 1738. Nem sequer celebrou já a festa de S. João Baptista, em 24 desse mês»

Cortesia de editorialpresença

Das Origens às Primeiras Perseguições
«A Santa Sé interveio então. Pela bula “In Eminenti Apostolatus Specula”, de 28 de Abril de 1738, o Papa Clemente XII formulou a primeira das muitas condenações da Igreja Católica contra a Maçonaria. A bula considerava que:
  • nas lojas associavam-se homens de todas as religiões; o que aí praticavam ficava encoberto com inviolável sigilo; procediam mal, porque, se assim não fosse, não aborreceriam tanto a luz; e, em vários países, a Maçonaria fora já proscrita pelo Poder Temporal, como contrária à segurança do Estado.
Concluindo as suas razões «por outros justos e racionáveis motivos a nós patentes», condenava e proibia os conventículos de pedreiros-livres, proibia aos católicos que neles entrassem ou, de qualquer forma, que os propagassem, ocultassem e auxiliassem, sob pena de excomunhão, e ordenava aos bispos e aos inquisidores de todo o orbe católico que inquirissem os transgressores e contra eles procedessem, castigando-os, se necessário, com o auxilio do braço secular.
A bula «In Eminenti» foi conhecida em Lisboa poucos dias antes de 24 de Junho de 1738, mas só afixada e divulgada oficialmente em 28 de Setembro do mesmo ano. Entre estas duas datas, trocou-se correspondência entre o Núncio da Santa Sé, em Lisboa, Carlo Orsini di Cavalieri, arcebispo de Tarso, e as autoridades eclesiásticas da Santa Sé, por um lado, e o Núncio e o Inquisidor-Mor português, cardeal D. Nuno da Cunha, pelo outro, lembrando a existência de lojas maçónicas em Portugal e a consequente necessidade de fazer publicar a bula em Lisboa quanto antes. A «maldita» Inquisição teve tempo, também, de fazer os inquéritos aos membros das lojas.

Papa Clemente XII

Cardeal D. Nuno da Cunha
Cortesia de editorialpresenca

O Edital da Inquisição, datado de Lisboa, 28 de Setembro de 1738, depois de sumariar a bula papal, admoestava e exortava todos os católicos portugueses e residentes em Portugal a que lhe dessem cumprimento, e mandava, sob pena de excomunhão, que todos, quer eclesiásticos quer seculares, denunciassem ao Santo Ofício as lojas ou assembleias maçónicas que conhecessem, dentro do prazo de trinta dias. Para que não se pudesse alegar desconhecimento da matéria, o edital era enviado aos abades, priores, reitores, curas e prelados do Reino e Conquistas, para que o lessem e publicassem nas igrejas e fizessem afixar às respectivas portas.
Vale a pena ler-se, na íntegra, este importante documento, primeiro na já longa série das repressões contra a Maçonaria em Portugal.
  • «Nuno da Cunha, presbytero cardeal da Santa Igreja de Roma, do titulo de Santa Anastasia, Inquisidor Geral nestes Reinos, e Senhorios de Portugal, do Conselho de Estado de Sua Magestade, etc. Fazemos saber a quantos o presente virem, ou delle por qualquer via tiverem noticia, que ás nossas mãos chegou huma Constituição do Santissimo Padre o Papa Clemente XII nosso Senhor, hora na Igreja de Deos Presidente, que começa: In Eminenti Apostolatus Specula, etc., passada na Curia de Roma aos quatro de Mayo deste presente anno, e publicada na mesma Curia no dito dia: na qual Sua Santidade, movido do seu apostolico zelo, reprova, e condemna humas certas Sociedades, Ajuntamentos, Collecções, Aggregações, ou Conventiculos intitulados: de Liberi Murotori, seu Francs Massons, vulgo Pedreiros Livres; ou com outro titulo qualquer, conforme a variedade dos idiomas. As quaes Sociedades, e Ajuntamentos se tem introduzido em muitas partes, por pessoas de qualquer religião, e ceita, affectando certa especie de bondade natural, e obrigando se a hum inviolavel segredo, por juramento tomado na sagrada Biblia, com comminação de graves penas, conforme as Leys, e Estatutos particulares que tem.

As 129 lojas existentes em 1736 na Grande Loja de Londres

Concordia Fratrum
Cortesia de editorialpresenca

(Continuação)
  • E porque Sua Santidade declara na dita sua Constituição, que semelhantes Sociedades, e Ajuntamentos são prejudiciaes não só á Republica temporal, mas tambem, á espiritual: e prohibe, e manda a todos os fieis Christãos de hum e outro sexo que nenhum se atreva, com qualquer pretexto, ou disfarse ir às ditas Sociedades, Ajuntamentos, Collecções, Aggregações, ou Conventiculos, nem em suas casas, ou outra alguma parte consenti llos, occulta llos, dar conselho, ajuda, ou favor, directa, ou indirectamente por si, ou por outros, para que se fação em publico, ou em particular; nem admoestrar, induzir, ou persuadir a que se aggreguem outros ás ditas Sociedades, ou Conventiculos; antes totalmente se abstenhão delles, sob pena de excommunhão contra os transgressores, da qual reserva a si, e á Sé Apostolica a absolvição, fora de artigo da morte: E porque tambem ordena, e manda Sua Santidade na dita sua Constituição, que assim os Bispos, e Prelados Superiores, como os Ordinarios dos lugares, e os Inquisidores contra a heretica pravidade procedão, e inquirão contra os transgressores, de qualquer estado, gráo, condição, ordem, dignidade, e preeminencia, e os castiguem como de vehemente sospeitos de heresia; e especialmente se dignou de Nos mandar remetter a dita sua Constituição para que a fizessemos publicar nestes Reinos. Considerando Nós a summa veneração, e respeito, que como filho obedientissimo da Igreja devemos á Santa Sé Apostolica, e suas Constituições, a que todos os Catholicos devem obedecer; e á obrigação, que pelo nosso cargo nos incumbe, de zelar com toda a diligencia, e cuidado o augmento da Fé, e pureza della, tirando ainda a mais leve occasião do inimigo commum semear sizania na seára do Senhor, com se fazer manifesta a dita Constituição Pontificia, e declarar aos moradores destes Reinos, e Senhorios de Portugal a obrigação que tem de observar o que nella se dispõe. Ordenámos se passasse o presente, pelo qual admoestamos e exhortamos em o Senhor a todos os fìeis Catholicos, assim naturaes como moradores nestes Reinos, Ecclesiasticos, e seculares cumprão inteiramente o que Sua Santidade manda na dita sua Constituição, abstendo se das ditas Sociedades, Ajuntamentos, Collecções, Aggregações, ou Conventiculos, para não incorrerem nas censuras, e mais penas comminadas. E para que venha á noticia de todos: Mandamos, ouctoritate Apostolica, a todas as pessoas assim Ecclesiasticas, como seculares, isentas, e não isentas, em virtude da santa Obediencia, sob pena de excommunhão mayor, ipso facto incurrenda, cuja absolvição a Nós reservamos, que sabendo de algumas outras, que se aggregão ás ditas Sociedades, Ajuntamentos, Collecções, ou Conventiculos, e das materias que nelles se tratão, as denunciem, ou mandem denunciar á Mesa do Santo Officio do districto em que estiverem, dentro de trinta dias, primeiros seguintes, que lhes assignamos pelas tres Canonicas admoestações, termo preciso e peremptorio, dando lhes repartidamente dez dias por cada admoestação. E para que se não possa allegar ignorancia: Mandamos, com a mesma pena de excommunhão mayor a todos os Abbades, Priores, Reitores, Curas, e Prelados dos Conventos destes Reinos, e Senhorios, a que for apresentado este nosso Edital, o leão, e publiquem, ou fação ler, e publicar em suas Igrejas na Estação, ou Pregação de primeiro Domingo, ou dia santo depois de lhe ser dado; e lido, e publicado será fixado nas portas principaes das mesmas Igrejas, donde não será tirado sem nossa licença. Dado em Lisboa Occidental sob nosso signal, e sello do Santo Officio aos vinte e oito dias do mez de Setembro de mil setecentos e trinta e oito annos. Jacome Esteves Nogueira Secretario do Conselho Geral o fez. Nuno Cardeal da Cunha».
A acreditar nas declarações feitas aos inquisidores alguns meses mais tarde, a loja irlandesa terá abatido colunas logo que foi conhecida a existência da bula papal, em Junho de 1738. Nem sequer celebrou já a festa de S. João Baptista, em 24 desse mês, como tinha por costume. Outro tanto sucedera, aliás, em alguns Estados da Europa católica. Mas noutros, pelo contrário, a disposição da Santa Sé foi, pura e simplesmente, ignorada ou menosprezada, quer por não ter recebido o beneplácito das autoridades seculares, quer por haver fortes protectores da Maçonaria entre os dirigentes (incluindo eclesiásticos), quer por outras razões especiosas. Em qualquer dos casos, não teve força para impedir a difusão dos ideais maçónicos nem a multiplicação das lojas por toda a Cristandade católica. E não a teve, por diversos motivos». In A. H. Oliveira Marques, História da Maçonaria em Portugal, das Origens ao Triunfo, Editorial Presença, 1990, Depósito legal nº 34986/90.

Cortesia de Editorial Presença/JDACT