sábado, 30 de julho de 2011

Fernando Correia de Oliveira: 500 anos de Contactos Luso-Chineses. Parte Id. « À «China Amarela» de Mao Zedong seguiu-se a «China Azul» de Deng Xiaoping. Os primeiros contactos dos portugueses com o Império do Meio deram-se quando os chineses iniciavam um período «amarelo». Até por isso, as coisas não foram fáceis»

Cortesia de jugular

Foi mais forte o Vento de Oeste.
«A primeira, reivindicando o berço civilizacional chinês, centrada no rio Amarelo, é continental, rural, tendencialmente xenófoba, convencida da sua superioridade, fechada ao mundo. A segunda, cosmopolita, adepta das trocas de bens, gentes e ideias, pretende gerir essa superioridade civilizacional, temperando-a com as influências externas, firmando o império em pólos de desenvolvimento costeiro, abrindo-o ao mar e ao mundo. A divisão poderia também fazer-se em China do Norte e China do Sul, com a primeira alinhada tradicionalmente com as teses «amarelas» e a segunda quase sempre afazer força pelas «azuis». Estes dois conceitos continuam hoje presentes, digladiando-se. À «China Amarela» de Mao Zedong seguiu-se a «China Azul» de Deng Xiaoping. Os primeiros contactos dos portugueses com o Império do Meio deram-se quando os chineses iniciavam um período «amarelo».
Até por isso, as coisas não foram fáceis.

Cortesia de elosclubetavira

Diferentes noções de tempo histórico.
Mesmo que não tivesse chegado ao Atlântico ou a Portugal, se Zheng He ou as suas esquadras estivessem presentes no Índico quando Vasco da Gama lá chegou, a correlação de forças teria sido diferente e os portugueses não conseguiriam com tanta facilidade impor-se no mapa político-económico regional. Um Gama 80 anos mais cedo, ou um Zheng 80 anos mais tarde, daria um quadro de uma China forte, dominada por uma dinastia Ming decidida, pronta a socorrer Estados suseranos que seriam depois vítimas dos portugueses. Os escassos barcos lusos, munidos apenas da superioridade tecnológica dos canhões, tripulados, na sua maioria, por gentios, entraram no Índico quando a dinastia Ming estrebuchava, a braços com rebeliões internas e sem uma elite esclarecida.
Mas o tempo também entra noutro tipo de considerações. Ao olharmos para as expedições de ZhengHe e de Vasco da Gama, convém ter em conta as diferentes percepções do tempo na China (e no resto da Ásia) e na Europa. Dos cerca de seis milénios de História da humanidade, a China entra pelo menos nos últimos quatro. E, caso único, só ela, ao longo desse tempo, não sofreu soluções de descontinuidade na sua evolução como civilização e como cultura, sempre igual a si mesma, sempre percorrendo a mesma linha evolutiva (algo de que a Índia ou o Egipto não se podem gabar, apesar de serem fruto de uma matriz igualmente antiga, mas descontínua, e de que o Japão se aproxima, mas com menos, seguramente, dois milénios).
Cortesia de aquitailandia

Olhando para os quatro mil anos da Historia da China, para essa vasta unidade de que os chineses têm bem consciência, mais ou menos intelectualizada mas sempre intuída, vemos que as expedições marítimas de Zheng He aconteceram num passado psicologicamente recente. No tempo histórico português, as viagens situar-se-iam, em termos de percepção da duração, à época da queda da monarquia, em 1910.
João de Deus Ramos, o primeiro diplomata português acreditado em Beijing desde o reinício das relações, fazia há pouco tempo uma comunicação em Paris sobre este tema. Ele sublinha que a percepção do «meio-caminho histórico» para os chineses está em torno da dinastia Han, na altura em que Cristo andou pela terra. Mas, para os portugueses, a viagem de Vasco da Gama está no centro temporal do seu percurso histórico. Assim, enquanto Portugal olha para a viagem à Índia de 1497 como um evento bem longe no tempo, os chineses intuem as viagens de Zheng He como acontecimento da época moderna, quase contemporânea». In Fernando Correia de Oliveira, 500 anos de Contactos Luso-Chineses, Público, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-8179-28-6.

Cortesia de Fundação Oriente/JDACT