domingo, 31 de julho de 2011

Nuno Crato: A Matemática das Coisas. Coisas do dia-a-dia. Parte Ia. «Os quebra-cabeças deste tipo são conhecidos como problemas de satisfabilidade, ou de satisfação, para quem não goste de palavras novas desnecessárias. Os matemáticos ultrapassam o dilema chamando-lhes problemas SAT, o que satisfaz toda a gente»

Cortesia de wikipedia 

O algoritmo do jantar de anos.
«Se convidarmos um frupo de amigos para o nosso jantr de anos e quisermos preencher uma mesa de quatro pessoas, podemos ter de escolher os nossos três companheiros de entre cinco amigos. Mas o António está zangado com a Beatriz, sua antiga namorada. E esta e o Carlos são inseparáveis. Ora o Carlos, que é amigo do António, está de relações cortadas com o Daniel. E este, por seu turno, não dá um passo sem trazer consigo a Eduarda, que não pode ver o António à frente.
Como se resolve este quebra-cabeças? O melhor é seguir um algoritmo, isto é um conjunto de regras que estabeleça uma procura sistemática de solução. Os algoritmos são muito caros aos matemáticos e aos cientistas da computação. Alguns são muito complicados. Mas por vezes os mais simples são os mais eficientes. No nosso caso, podemos seguir  um processo sistemático de procura e de eliminação, um algoritmo bastante eficaz, apesar de simples.

Cortesia de telendro

Sendo assim, começamos por escolher o nosso amigo A e vemos que não podemos convidar a nossa amiga B; poderíamos convidar C, mas este não vem se não vier B; e assim por diante. Como não há solução contendo A, tentamos de novo, começando desta vez por B, e assim continuamos, até encontrar três amigos para o jantar. Será que isso é possível, neste caso? Ou será que temos de desistir, forçados a reconhecer, tristemente, que as desavenças humanas são mais complicadas que os algoritmos?
Os quebra-cabeças deste tipo são conhecidos como problemas de satisfabilidade, ou de satisfação, para quem não goste de palavras novas desnecessárias. Os matemáticos ultrapassam o dilema chamando-lhes problemas SAT, o que satisfaz toda a gente.

Cortesia de becodonoturnowordpress 

O jantar acima é um exemplo dos chamados problemas 2-SAT, pois cada restrição engloba duas variáveis («A ou B», «a e C», etc). Mas o problema pode complicar-se se o António, o Carlos e o Daniel forem inseparáveis, ou seja, se tivermos de considerar três variáveis em cada restrição («A e B e C», ou «A e C ou D», etc.).
Estes outros problemas são conhecidos como problemas 3-SAT. E podem imaginar-se restrições de tipo mais geral, criando os chamados problemas k-SAT». In Nuno Crato, A Matemática das Coisas, Gradiva, Sociedade Portuguesa de Matemática, Abril 2008, ISBN 978-989-616-241-2.

Cortesia de Gradiva/JDACT

Paulo A. Loução. Os Templários na formação de Portugal: O Cristianismo Primitivo. «Um aspecto importante da “gnosis” é que este conhecimento inclui razão e sentimento, superando-os, ao contrário da fé cega nos dogmas que exclui a razão castrando o conhecimento intelectual do homem. A “gnosis” é o conhecimento dos mundos superiores pela visão da alma»

Templo de Philae
Cortesia de esquilo

O Cristianismo Primitivo.
«O Papa chegou mesmo a apresentar-se como imperador. Contudo, no mundo arbitrário e feudal da Idade Média, em que o direito era a força, o Vaticano, como sede do direito internacional, cumpriu, em muitos casos, um papel positivo. Houve Papas com bom senso e sabedoria. Porém, 1ogo a seguir sentavam-se fanáticos ou ambiciosos na cadeira de Pedro.
Vamos agora debruçar-nos sobre a vertente gnóstica do cristianismo, com a qual os Templários estão intimamente relacionados. «Gnosis» significa “conhecimento”, palavra que é mencionada várias vezes no Novo Testamento, por exemplo, em Lucas,XI,52:
  • «Ai de vós escribas! Apoderástes-vos da chave da gnosis. Vós mesmos não entrastes e impedistes os que queriam entrar».

Templo de Denderah
Cortesia de esquilo

Corresponde à «sophia» dos gregos e ao «gupta-vidyâ» dos hindus; e só pode ser alcançado através da iniciação nos “mistérios”, o que implica que uma escola gnóstica verdadeira tenha um conhecimento esotérico transmitido em cerimónias próprias para o efeito. Quando se fala de gnósticos, normalmente estamos a referir-nos aos discípulos de filósofos esclarecidos que viveram nos três primeiros séculos d.C., tais como: Valentino, Basflides, Marcion, Simão o Mago, etc.

Muitos padres da Igreja foram influenciados por eles e pelos filósofos da Escola Neoplatónica de Alexandria. Estes últimos também possuíam um conhecimento esotérico profundo. Para madame Blavatsky:
  • «os gnósticos partilhavam de muitas das ideias essénias; e os essénios já possuíam os seus mistérios “maiores” e “menores”, pelo menos dois séculos antes da nossa era. Eles eram os «ozarim» ou iniciados, os descendentes dos hierofantes egípcios, em cujo país haviam permanecido durante vários séculos, antes de terem sido convertidos ao monasticismo budista pelos missionários do rei Asoka, amalgamando-se depois aos cristãos primitivos».

Cortesia de wikipedia

Um aspecto importante da «gnosis» é que este conhecimento inclui razão e sentimento, superando-os, ao contrário da fé cega nos dogmas que exclui a razão castrando o conhecimento intelectual do homem. A «gnosis» é o conhecimento dos mundos superiores pela visão da alma. Este conhecimento liberta a alma que está prisioneira no seu cárcere físico. O gnosticismo nunca foi uma corrente unitária no campo doutrinal. Parte das seitas ou escolas gnósticas advogavam que o mundo físico é mau por natureza e o mundo espiritual, bom por natureza, constituindo o lugar natural da alma. Este ponto doutrinal de certos gnósticos não era compartilhado pelos neoplatónicos (nem o tinha sido antes por Platão), nem pelos Templários.
Parte dos cátaros parece ter partilhado dessa visão um tanto maniqueísta. Para Platão, como para os Templários, o mundo «Real» é o mundo das Ideias ou dos divinos arquétipos; e o mundo sensível carece de «Realidade» na medida em que tudo nele é efémero». In Paulo Alexandre Loução, Os Templários na Formação de Portugal, Ésquilo, 9ª edição, 2004, ISBN 972-97760-8-3.

NOTA:
O Egipto constituiu uma civilização fantástica que, ainda hoje, continua a assombrar os investigadores. Egipto, ou seja, AEGYPTUS, é uma palavra grega que significa «a misteriosa». Assim viam os gregos a velha «Terra de Khem» a pátria dos «Mistérios». Os templários estiveram em Alexandria.

Cortesia de Ésquilo/JDACT

Há dias assim... «Como puro início, como tempo novo, sem mancha nem vício. ...E porque os amei e os acompanhei, não me senti rei na Mãe-Natureza»

Cortesia de promultimedia  

In Memoriam de MLAC e JLT

Revolução
Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta

Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício

Como a voz do mar
Interior de um povo

Como página em branco
Onde o poema emerge

Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação.
Sophia de Mello Breyner Andresen, in «O Nome das Coisas»

Cortesia de lennon22

Retrato do Herói
Herói é quem num muro branco inscreve
O fogo da palavra que o liberta:
Sangue do homem novo que diz povo
e morre devagar de morte certa.

Homem é quem anónimo por leve
lhe ser o nome próprio traz aberta
a alma à fome fechado o corpo ao breve
instante em que a denúncia fica alerta.

Herói é quem morrendo perfilado
Não é santo nem mártir nem soldado
Mas apenas por último indefeso.

Homem é quem tombando apavorado
dá o sangue ao futuro e fica ileso
pois lutando apagado morre aceso.
Ary dos Santos, in «Fotosgrafias»

Cortesia de janbuenno

Humildade
As águas beijei,
As nuvens olhei,
Às árvores cantei,
Na sua beleza.

Os bichos amei,
Na sua bruteza,
Na sua pureza,
De forças sem lei.

E porque os amei
E os acompanhei,
Não me senti rei
Na Mãe-Natureza.
Francisco Bugalho, in «Paisagem»

Cortesia de O Citador/JDACT

sábado, 30 de julho de 2011

Fernando Correia de Oliveira: 500 anos de Contactos Luso-Chineses. Parte Id. « À «China Amarela» de Mao Zedong seguiu-se a «China Azul» de Deng Xiaoping. Os primeiros contactos dos portugueses com o Império do Meio deram-se quando os chineses iniciavam um período «amarelo». Até por isso, as coisas não foram fáceis»

Cortesia de jugular

Foi mais forte o Vento de Oeste.
«A primeira, reivindicando o berço civilizacional chinês, centrada no rio Amarelo, é continental, rural, tendencialmente xenófoba, convencida da sua superioridade, fechada ao mundo. A segunda, cosmopolita, adepta das trocas de bens, gentes e ideias, pretende gerir essa superioridade civilizacional, temperando-a com as influências externas, firmando o império em pólos de desenvolvimento costeiro, abrindo-o ao mar e ao mundo. A divisão poderia também fazer-se em China do Norte e China do Sul, com a primeira alinhada tradicionalmente com as teses «amarelas» e a segunda quase sempre afazer força pelas «azuis». Estes dois conceitos continuam hoje presentes, digladiando-se. À «China Amarela» de Mao Zedong seguiu-se a «China Azul» de Deng Xiaoping. Os primeiros contactos dos portugueses com o Império do Meio deram-se quando os chineses iniciavam um período «amarelo».
Até por isso, as coisas não foram fáceis.

Cortesia de elosclubetavira

Diferentes noções de tempo histórico.
Mesmo que não tivesse chegado ao Atlântico ou a Portugal, se Zheng He ou as suas esquadras estivessem presentes no Índico quando Vasco da Gama lá chegou, a correlação de forças teria sido diferente e os portugueses não conseguiriam com tanta facilidade impor-se no mapa político-económico regional. Um Gama 80 anos mais cedo, ou um Zheng 80 anos mais tarde, daria um quadro de uma China forte, dominada por uma dinastia Ming decidida, pronta a socorrer Estados suseranos que seriam depois vítimas dos portugueses. Os escassos barcos lusos, munidos apenas da superioridade tecnológica dos canhões, tripulados, na sua maioria, por gentios, entraram no Índico quando a dinastia Ming estrebuchava, a braços com rebeliões internas e sem uma elite esclarecida.
Mas o tempo também entra noutro tipo de considerações. Ao olharmos para as expedições de ZhengHe e de Vasco da Gama, convém ter em conta as diferentes percepções do tempo na China (e no resto da Ásia) e na Europa. Dos cerca de seis milénios de História da humanidade, a China entra pelo menos nos últimos quatro. E, caso único, só ela, ao longo desse tempo, não sofreu soluções de descontinuidade na sua evolução como civilização e como cultura, sempre igual a si mesma, sempre percorrendo a mesma linha evolutiva (algo de que a Índia ou o Egipto não se podem gabar, apesar de serem fruto de uma matriz igualmente antiga, mas descontínua, e de que o Japão se aproxima, mas com menos, seguramente, dois milénios).
Cortesia de aquitailandia

Olhando para os quatro mil anos da Historia da China, para essa vasta unidade de que os chineses têm bem consciência, mais ou menos intelectualizada mas sempre intuída, vemos que as expedições marítimas de Zheng He aconteceram num passado psicologicamente recente. No tempo histórico português, as viagens situar-se-iam, em termos de percepção da duração, à época da queda da monarquia, em 1910.
João de Deus Ramos, o primeiro diplomata português acreditado em Beijing desde o reinício das relações, fazia há pouco tempo uma comunicação em Paris sobre este tema. Ele sublinha que a percepção do «meio-caminho histórico» para os chineses está em torno da dinastia Han, na altura em que Cristo andou pela terra. Mas, para os portugueses, a viagem de Vasco da Gama está no centro temporal do seu percurso histórico. Assim, enquanto Portugal olha para a viagem à Índia de 1497 como um evento bem longe no tempo, os chineses intuem as viagens de Zheng He como acontecimento da época moderna, quase contemporânea». In Fernando Correia de Oliveira, 500 anos de Contactos Luso-Chineses, Público, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-8179-28-6.

Cortesia de Fundação Oriente/JDACT

Fernando Correia de Oliveira: 500 anos de Contactos Luso-Chineses. Parte Ic. «Se prosseguisse a viagem, ou outros por ele, o almirante eunuco, que já tinha tocado zonas da costa oriental africana hoje Moçambique, poderia muito bem estar no ano seguinte ao largo da costa portuguesa. E os livros de História poderiam falar, por exemplo, da ocupação das Berlengas, em 1434, por «gente estranha, de fala estranha…»

Cortesia de publicacoesforiente

Foi mais forte o Vento de Oeste.
«Pelo sistema do tributo, visava-se manter sob a alçada chinesa os Estados asiáticos e, através deste sistema de controlo, exercer influência nos povos tributários, que assim se iam «elevando» até aos padrões civilizacionais chineses pela mão firme e magnânima do Filho do Céu.
Quando partiu para sudoeste, em 1405, em barcos com quatro vezes o tamanho dos do Gama, Zheng He ia em missão de suserania, firmar o prestígio chinês, fazer entrar na ordem sínica os mais recalcitrantes (se necessário, pela força). Mas não havia intenções de ocupação, pois uma vez enquadrados os Estados no sistema tributário, os grandes navios partiam e continuavam a ser as hierarquias autóctones a exercer o poder. Segundo historiadores que se dedicaram a comparar os objectivos do imperador chinês com os do monarca português, o sonho de D. Manuel e o desígnio de Yongle são diferentes na sua génese e nos seus objectivos, mas convergem na estrutura psicológica e na convicção de superioridade, de destino, de origem messiânica, num, de um substrato imanente a uma milenar cultura, noutro.

Cortesia de wikipedia

Vasco da Gama e Zheng He terão assim sabido incarnar a plenitude da visão estratégica global dos seus soberanos. Yongle morreu em 1424, com 64 anos.
A sua política externa e o impulso dado às expedições marítimas não foram continuados pelo seu sucessor, que suspendeu as viagens. O imperador seguinte, Xuande, que reinou de 1426 a 1435, ordenou ao eunuco uma sétima e última viagem. Este viria a morrer em 1433, em Calicut, 65 anos antes da chegada de Vasco da Gama à cidade. Se prosseguisse a viagem, ou outros por ele, o almirante eunuco, que já tinha tocado zonas da costa oriental africana hoje Moçambique, poderia muito bem estar no ano seguinte ao largo da costa portuguesa. E os livros de História poderiam falar, por exemplo, da ocupação das Berlengas, em 1434, por «gente estranha, de fala estranha, pele mais clara que a nossa, ricamente vestida, olhos quase cerrados, nariz pequeno [...]».
Porque terá parado com a morte de Zheng He a aventura imperial marítima chinesa do século XV?

Cortesia de sandrarochafotografia

Ninguém sabe ao certo, os anais são omissos quanto a isso (os próprios relatos das suas viagens foram destruídos, dado o seu estatuto de eunuco, e apenas a descoberta de uma estela, há três décadas, em Fujien, assinada por Zheng He, lançou mais alguma luz sobre as expedições). Não era o comércio (de escravos, inclusive), a conquista ou a dilatação da fé que a moviam, mas antes a procura de Estados «suseranáveis».
Uma razão plausível é o facto de, chegados a África, os chineses vislumbrarem cada vez menos Estados organizados, não encontrando por isso mais razão para continuar. Parece que as reviravoltas políticas na corte de Beijing, os custos elevadíssimos das expedições e os fracos lucros que delas se retiravam, além das «eternas» preocupações com a sempre periclitante fronteira do Norte, ajudaram ao fim abrupto das expedições.
Se, em Lisboa, as vozes maioritárias contra a prossecução da expansão a leste foram derrotadas pelo messianismo manuelino, em Beijing, desde 1433 que pesaram as opiniões dos «Velhos do Restelo». Era a vitória da «China Amarela» em detrimento da «China Azul». In Fernando Correia de Oliveira, 500 anos de Contactos Luso-Chineses, Público, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-8179-28-6.

Cortesia de Fundação Oriente/JDACT

quinta-feira, 28 de julho de 2011

A Bela Poesia. O Livro de Cesário Verde. Crise Romanesca. «...Que viveste no campo só comigo, que te osculei a boca purpurina, e que fui o teu sol e o teu abrigo»


Cortesia de bnp

Setentrional
Talvez já te esquecesses, ó bonina,
Que viveste no campo só comigo,
Que te osculei a boca purpurina,
E que fui o teu sol e o teu abrigo.

Que fugiste comigo da Babel,
Mulher como não há nem na Circássia,
Que bebemos, nós dois, do mesmo fel,
E regámos com prantos uma acácia.

Talvez já te não lembres com desgosto
Daquelas brancas noites de mistério,
Em que a Lua sorria no teu rosto
E nas lajes campais do cemitério.

Quando, à brisa outoniça, como um manto,
Os teus cabelos de âmbar, desmanchados,
Se prendiam nas folhas dum acanto,
Ou nos bicos agrestes dos silvados,
 
E eu ia desprendê-los, como um pajem
Que a cauda solevasse aos teus vestidos,
E ouvia murmurar à doce aragem
Uns delírios de amor, entristecidos;

Quando eu via, invejoso, mas sem queixas,
Pousarem borboletas doudejantes
Nas tuas formosíssimas madeixas,
Daquela cor das messes lourejantes,

E no pomar, nós dois, ombro com ombro,
Caminhávamos sós e de mãos dadas,
Beijando os nossos rostos sem assombro,
E colorindo as faces desbotadas;

Quando ao nascer de aurora, unidos ambos
Num amor grande como um mar sem praias
Ouvíamos os meigos ditirambos,
Que os rouxinóis teciam nas olaias,

E, afastados da aldeia e dos casais,
Eu contigo, abraçado como as heras,
Escondidos nas ondas dos trigais,
Devolvia-te os beijos que me deras;

Quando, se havia lama no caminho,
Eu te levava ao colo sobre a greda,
E o teu corpo nevado como arminho
Pesava menos que um papel de seda...

E foste sepultar-te, ó serafim,
No claustro das Fiéis emparedadas,
Escondeste o teu rosto de marfim
No véu negro das freiras resignadas.

E eu passo tão calado como a Morte
Nesta velha cidade tão sombria,
Chorando aflitamente a minha sorte
E prelibando o cálix da agonia.

E, tristíssima Helena, com verdade,
Se pudera na terra achar suplícios,
Eu também me faria gordo frade
Eu cobriria a carne de cilícios.
Cesário Verde, in «O Livro de Cesário Verde».
 
Cortesia de bnp

JDACT

Poemas del Alma: «... y tu nombre en ellas esta a resguardo de la belleza tonta, recurrente del que escribe sobre las olas del mar de la gaviota idiota...»

Cortesia de publico

Las cartas de las que hablo...
Las cartas de las que hablo son azules y son lacradas
se guardan en casilleros con llaves de hielo
y no les llega la humana inmisericordia
estas cartas íntimas, son prohibidas
están censuradas vedadas
a la vista poderosa del cuervo crítico
que devora todo aquello que no es blanco
- y solo porque él es tan... tan negro -
y la lluvia ácida de su orín
no borra las letras de oro de éstas cartas
nunca más
- dijo el cuervo, nunca más -

y tu nombre en ellas esta a resguardo
de la belleza tonta, recurrente
del que escribe sobre las olas del mar
de la gaviota idiota
de la belleza histérica de la mariposa kitsch
de la palmera centroamericana
del “oh! pez dorado! pez dorado...!”
las fotos de la niñez...

tu nombre
mi gran amor último amor
solo lo digo con honor aquí, en los márgenes

tu nombre
no esta imbuido por la inmoral luz del sol
la patria de este tipo de bellezas obscenas
tiene una bandera que uso
para limpiar heces calientes
los vómitos ambarinos de la embriaguez

las horas insoportables
en las que simplemente no estás
y escribo las cartas...

Y escribo las cartas.
Héctor Urruspuru, in «Poemas del Alma»

JDACT

Joss Stone: «Viciei-me em "música soul" principalmente por causa dos vocais que exigia. É necessário ter boa voz para cantar "música soul" e eu sempre gostei disso, desde pequena, disse Joss»


Cortesia de world-famous-celebrities e  fanlexikonde









JDACT

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Manuel Paiva. Como Respiram os Astronautas: Parte Ia. «… compreender o que se passa em sistemas que estão em aceleração relativamente a nós vai ajudar a compreender o que é a gravidade artificial, o peso efectivo e a imponderabilidade, ou melhor, a microgravidade, pois um peso efectivo rigorosamente nulo não existe»


Cortesia de dovestibapucpr e donajuremablackstar

Das leis de Newton à microgravidade.
«Claro que não se pode falar de física biomédica sem se falar de física e a física não é uma disciplina fácil e requer um esforço de reflexão. Em compensação, o esforço de memória não tem um papel preponderante. Os quatro exemplos seguintes mostram que mesmo a física clássica nem sempre é intuitiva. No entanto, descobrir a solução de um problema pode ser uma fonte de grande prazer e é de pequenino que se estimula o gosto da descoberta e se cultiva a curiosidade. Mas só se pode transmitir o gosto da investigação quando ele, de algum modo, faz parte de nós mesmos e é nessa descoberta que o professor do ensino básico continuará a ter um papel capital.

«O gelo no copo»: encha um copo com blocos de gelo e junte água de maneira a que o copo fique cheio a rasar. Claro que verá que alguns blocos de gelo ultrapassam a superfície da água, como os icebergues.


Cortesia de dreamstime e pausaparaumcaf

A pergunta é:
  • quando o gelo fundir, a água transborda?
A resposta não requer necessariamente a aplicação directa de uma fórmula ou equação, mas sim a compreensão de conceitos. Se fizer esta experiência, é necessário uma atmosfera com muito pouca humidade, senão a condensação da água presente no ar ambiente vai falsear o resultado. E se fizesse a mesma experiência no espaço? Se compreender as duas situações, compreenderá também porque é que o treino dos astronautas em imersão cria uma situação diferente da imponderabilidade.
«O balão com hélio»: se prender o fio de um balão com hélio no interior de um automóvel de maneira a que o balão se mova livremente, o que acontece quando acelera?
Claro que pensa que o balão recua em relação a si. Faça a experiência (de preferência sem ser o condutor!) e verá que o balão avança e que recuará quando travar! E se em vez de hélio, o balão tivesse sido cheio com um gás pesado (seria melhor dizer com massa volúmica superior à do ar) como o hexafluoreto de enxofre? Nesse caso, o balão recuará quando acelerar. Isto já o deve ajudar na busca da solução.
Cortesia de cybervida

Se falo nestes gases, é porque muitos astronautas os respiraram (em concentrações mínimas, claro) para fazerem as nossas experiências! Por outro lado, compreender o que se passa em sistemas que estão em aceleração relativamente a nós vai ajudar a compreender o que é a gravidade artificial, o peso efectivo e a imponderabilidade, ou melhor, a microgravidade, pois um peso efectivo rigorosamente nulo não existe.

«Um pássaro numa gaiola»: imagine um passarinho bem tranquilo, no seu poleiro, dentro de uma gaiola de vidro, toda fechada (para evitar correntes de ar), colocada em cima de uma balança com uma precisão muito superior ao valor do peso do passarinho.
Imagine ainda que a gaiola é de forma circular e que o passarinho se põe a voar com um movimento circular uniforme, isto é, o valor da sua velocidade é uma constante, mesmo estando sempre a mudar de direcção. Evidentemente que o passarinho é suficientemente bom piloto para não tocar com as asas nas paredes da gaiola. O que indicará a balança? Provavelmente, pensa que o peso vai diminuir dum valor igual ao do peso do passarinho. Pois estaria enganado». In Manuel Paiva, Como Respiram os Astronautas e os outros Problemas de Física Biomédica, Gradiva 2004, Dep. Legal nº 218229.

Cortesia de Gradiva/JDACT

A Bela Poesia: Alberto Caeiro. «... Uma vez chamaram-me poeta materialista, e eu admirei-me, porque não julgava que se me pudesse chamar qualquer cousa. Eu nem sequer sou poeta: vejo»


Pintura de Silva Porto
Cortesia de rabiscoscriativos e wikipedia 

A Espantosa Realidade das Cousas
A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. Naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.
Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa

JDACT

A Bela Música. Gioachino Rossini: «A produção de Guilherme Tell em 1829 marca o final como criador de óperas. O libreto foi escrito por Étienne Jouy e Hippolyte Bist. Raramente é ouvida na íntegra, pois a versão original tem uma duração superior a 4 horas»

(1792-1868)
Pésaro, Itália
Cortesia de wikipedia 










JDACT

terça-feira, 26 de julho de 2011

Fernando Correia de Oliveira: 500 anos de Contactos Luso-Chineses. Parte Ib. «Estes acontecimentos poderão ter firmado em Yongle a convicção da justeza dos seus desígnios de criação de uma esfera de influência, e da obtenção de aliados, a sul e a ocidente. No mesmo sentido terá também contribuído a natureza dúbia da sua ascensão ao trono»

Cortesia de wikipedia

Foi mais forte o Vento de Oeste.
«Yongle, uma personalidade forte, protector das gentes da cultura, foi um dos mais destacados imperadores chineses. Como homem de Estado, procurou, ao longo dos seus 21 anos de reinado, alargar e fortalecer o sistema tributário. É nesse sentido que se inserem as viagens de Zheng He (1371-1433). Este Gama oriental «avant la lettre» era chinês de Yunnan, mas com sangue mongol. Originário de uma das tribos da Ásia Central, de religião islâmica, eunuco, perito mais nas artes da guerra terrestre do que na arte de marear (tinha-se destacado na guerra contra os mongóis, na fronteira norte do país), partiu, em 1405, à frente de uma formidável armada:
  • 62 navios de grandes dimensões, outros 250 mais pequenos, levando a bordo 27 800 homens.
  • Destino, o arquipélago malaio e o oceano Índico.
Entre os objectivos fundamentais das expedições marítimas dos Ming contava-se o controlo dos eixos fundamentais de navegação no Índico (sobretudo os estratégicos estreitos de Sunda e Malaca), bem como o controlo rigoroso das actividades das comunidades de chineses ultramarinos, que proliferavam e prosperavam um pouco por toda a Ásia do Sueste.
Mas o objectivo não era «descobrir», não era «dilatar a fé», não era «conquistar». O que o imperador Yongle queria que o seu almirante fizesse era apenas «impressionar».
Cortesia de raiadiplomatica

Zheng He terá conseguido o efeito desejado. Nas sete viagens que fez (de 1405 a 1433), terá tocado na costa oriental de África, os pontos mais a ocidente e sul que visitou terão sido na costa do que é hoje o Quénia (Melinde?), a norte de Moçambique. Como resultado dessa gigantesca operação de relações públicas do Império do Meio, começaram a afluir à China muitos mais enviados e outros portadores de tributos. Segundo alguns historiadores que têm procurado estudar em paralelo as figuras de Vasco da Gama e de Zheng He, os perigos que Yongle teve de enfrentar logo no início do seu reinado terão contribuído para a sua política externa de suserania nos mares do Sul e do Ocidente.
Na verdade, no início do século XV, Tamerlão estava no apogeu da sua força. O fundador da dinastia Ming tinha posto termo à dinastia Yuan (1279-1368), mongol, fundada por Kubilai Khan, neto de Gengis Khan, e ao predomínio da Ásia Central naquela região do globo. Tamerlão reivindicava-se descendente de Gengis Khan e queria reconquistar a China. Só a sua morte, em 1405, terá impedido nova invasão do império chinês.

Cortesia de danieldeavila
Estes acontecimentos poderão ter firmado em Yongle a convicção da justeza dos seus desígnios de criação de uma esfera de influência, e da obtenção de aliados, a sul e a ocidente. No mesmo sentido terá também contribuído a natureza dúbia da sua ascensão ao trono. Nos primeiros anos, pelo menos, a questão da legitimidade do seu «mandato celestial» causava apreensão e insegurança. É que Yongle tinha usurpado o trono ao seu sobrinho pela força das armas, e este fugira para parte incerta, supondo-se que para algum reino do Sudeste Asiático. Logo na primeira expedição, Zheng He levava instruções para inquirir sobre o paradeiro do deposto imperador, sem que, no entanto, o tivesse conseguido encontrar.
Aos três factores, já assinalados, que terão levado o imperador chinês a enviar as esquadras do almirante eunuco a caminho do Ocidente (incremento das relações tributárias, perigo de invasão e legitimidade na sucessão) há que juntar um outro, talvez o mais importante, que forma o telhado do edifício no pensamento sínico:
  • o sentimento de superioridade civilizacional em relação aos outros povos.
No caso chinês, o imperador Yongle não teria um sonho, mas um desígnio, que não era messiânico, mas essencialmente político;
  • não universal, mas certamente asiático, comparado com o cunho de «missão» que D. Manuel pretendeu imprimir às suas iniciativas marítimas.
O imperador, como representante do Céu, possuidor da virtude e garante do equilíbrio de todos os seres, que exercia por mandato celestial, imbuído e convencido da superioridade das concepções cosmológicas, filosóficas e político-sociais do Império do Meio, devia e queria levar ao conhecimento das nações de além-mar a pujança espiritual e temporal da China». In Fernando Correia de Oliveira, 500 anos de Contactos Luso-Chineses, Público, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-8179-28-6.

Cortesia de Fundação Oriente/JDACT

Fernando Correia de Oliveira: 500 anos de Contactos Luso-Chineses. Parte Ia. «A 18 de Maio de 1498, a armada do Gama chega a Calicut, e o primeiro desembarque dá-se três dias depois, alterando para sempre a geopolítica mundial. Os primeiros contactos físicos com chineses dar-se-iam 11 anos mais tarde, em Malaca»

Cortesia de foriente 

Foi mais forte o Vento de Oeste.
«A 20 de Dezenbro de 1999, daqui a 500 dias, as Berlengas passam de novo à soberania portuguesa, depois de este minúsculo arquipélago ter sido ocupado durante 565 anos pela China. É a última colónia asiática que resta na Europa, terminando assim um ciclo de expansão das potências orientais, iniciado nos primeiros anos do século XV.

Não, a história não se passou assim, mas podia perfeitamente ter-se passado. O que levou a que fosse o Ocidente a carregar os ventos dominantes da humanidade, de há 500 anos até hoje, e a partir de um pobre e despovoado território chamado Portugal? Porque não foi a China, já então o país mais populoso do mundo e, na altura, o mais avançado social e politicamente, a liderar o processo de mundivisão, dado que tinha os meios técnicos e humanos ao seu alcance para o fazer?
A História foi o que foi e, a 20 de Dezembro do próximo ano, a China retoma a administração de Macau, terminando aí o ciclo imperial asiático do Ocidente e iniciando-se um outro nas relações entre Lisboa e Beijing. É do diálogo pioneiro entre os extremos ocidental e oriental da grande massa euro-asiática, dos contactos, encontros e desencontros entre portugueses e chineses no último meio milénio, que iremos tratar.

Cortesia de foriente

A conquista de Ceuta, no Norte de África, em 1415, é considerada como o acto fundador da expansão portuguesa. Exactamente 73 anos depois, em 1488, Bartolomeu Dias realizava a grande viagem do século XV, o corolário da exploração da costa ocidental de África que entretanto foi sendo paulatinamente feita. Estava aberta a porta marítima para o Oriente; as águas do Atlântico e do Índico, ao contrário do que os livros e as lendas diziam, comunicavam entre si.

Mas, mesmo então, tudo poderia ter ficado por ali. Nas Cortes de Montemor-o-Novo (1495-96), convocadas por D. Manuel I, que ascendeu ao trono por morte de D. João II, a pergunta foi posta claramente:
  • avança-se mais?
  • As terras das especiarias valem o esforço em cabedais e gente?
Segundo os cronistas, «houve muitos e diferentes votos, e os mais foram que a Índia não se devia descobrir». Apesar disso, avançou-se.
O Velho do Restelo, símbolo encontrado por Camões para traduzir, afinal, a opinião maioritária das elites lusitanas (defendendo o exclusivo da expansão portuguesa no Norte de África), perdia. A 18 de Maio de 1498, a armada do Gama chega a Calicut, e o primeiro desembarque dá-se três dias depois, alterando para sempre a geopolítica mundial. Os primeiros contactos físicos com chineses dar-se-iam 11 anos mais tarde, em Malaca.

Cortesia de accemkdim

E na China, como decorreu o século XV, em termos de contactos com o exterior?
Estava-se na dinastia Ming (1368-1644). Em 1403, sobe ao trono o seu terceiro imperador, Yongle. Espelhando bem o tradicional desprezo confuciano pelas coisas materiais, pelo «mesquinho trato» do comércio, terá dito um dia, negando-se a taxar uns carregamentos de pimenta que mercadores islâmicos do Sueste Asiático, de visita à corte, tinham ido vender ao mercado chinês:
  • «[...] estes estrangeiros vieram de longe por admiração das luzes da nossa cultura. Se nós agora lhes retirássemos parte do seu lucro, o que lucraríamos nós? E com isso poríamos em risco a nossa honra!».
Seguindo a tradição milenar do Trono do Dragão, a China era o centro do mundo. Mas o seu imperialismo não era agressivo, antes paternalista. Era dever dos outros países prestarem-lhe homenagem mas, feito isso, poderiam continuar a governar-se como bem entendessem. Neste esquema harmonioso, cujo resultado final era o chamado comércio tributário, os Estados que nele entrassem tinham, periódica e regularmente, de pagar tributo ao imperador, reconhecendo-o como ser superior, divino. Assim, podiam comerciar em pontos especiais e muito limitados, ao longo da costa, em determinadas alturas do ano, e em troca apelar à protecção de Beijing (Pequim) em caso de contestação interna ou agressão de terceiros». In Fernando Correia de Oliveira, 500 anos de Contactos Luso-Chineses, Público, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-8179-28-6.

Cortesia de Fundação Oriente/JDACT

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Maria de Lourdes Ganho: O Essencial sobre Francisco de Holanda. «O seu gosto pelas novas concepções de arte, o seu entusiasmo de jovem promissor nas artes, levam a que seja apelidado de Lusitanus Apelles, conforme já foi mencionado. D. João III, em Évora, é nesta altura claramente favorável à cultura humanística, que apenas será travada quando em 1555 entrega à Companhia de Jesus o ensino»

Cortesia de livroshorizonte 

«Traçar o perfil de um autor renascentista, quando não existem livros de assentos para tais factos, acaba por implicar proceder a uma pesquisa de modo indirecto. Contudo, à boa maneira renascentista, o culto da personalidade começa a emergir e, por isso mesmo, Francisco de Holanda fala de si na sua obra. É por esta razão que podemos apontar dados biográficos, enquanto artista, ficando o homem no seu quotidiano silenciado, embora alguns traços do seu carácter também possam ser apontados.
Quanto à sua obra, pictórica e literária, far-lhe-emos uma referência própria, embora tenhamos de reconhecer que é a obra Da Pintura Antiga que mais nos interessa analisar e que, ao mesmo tempo, emerge como a mais relevante na economia da sua produção literária e artística.
Como refere Jorge Segurado, «estamos perante o principal artista da nossa Renascença». Nas palavras de André de Resende, estamos perante o Apeles Lusitano.

Vida.
Nasceu na cidade de Lisboa, conforme refere na obra Da Pintura Antiga, tendo provavelmente nascido em 1517 ou 1518, portanto, no reinado de D. Manuel I. Faleceu também em Lisboa, em 1584. Seu pai terá nascido cerca de 1480 e falecido por volta de 1557. Artista ligado à corte portuguesa, a sua profissão exerceu clara influência na futura orientação deste seu filho, que desde muito novo, mostrou clara propensa para a arte da pintura.


Cortesia de wikipedia 

De facto, o artista frequentou a escola de seu pai, sendo este um período de aprendizagem fundamental, conforme ele próprio reconhece no prólogo de Da Pintura Antiga:
  • «E muito grandes  e infinitas graças dou eu primeiro ao Summo Mestre e imortal, e depois as dou a meu pai [ ... ] de me não desviar minha própria índole natural, e me deixou seguir a arte da Sabedoria a mi mais segura e excelente de quantas há n'este grão mundo».
Seu pai, instalado em Évora, na altura polo cultural e onde residia a corte portuguesa, deu-lhe a formação necessária para se iniciar nas artes figurativas. Além disso, estudou Humanidades. Durante alguns anos e até 1537, Évora foi a capital cultural de Portugal e centro onde os mais diferentes artistas trabalhavam, bem como homens de letras.
Nesta cidade, certamente, contactou com os mais eminentes humanistas que aí residiam, tendo sido amigo e discípulo de André de Resende, Miguel da Silva e Nicolau Clenardo. Sabe-se que estudou línguas clássicas na Escola Pública de Letras, de que foi fundador André de Resende. Até aos 20 anos temos o seu período de aprendizagem e de certo amadurecimento, de contacto em Évora com antiguidades, provenientes de ruínas romanas, e que lhe permite reconhecer que um aprofundamento do seu saber só é possível se se deslocar a Roma, o grande centro cultural da Europa culta de então, no que à arte diz respeito. 


Cortesia de wikipedia

O seu gosto pelas novas concepções de arte, o seu entusiasmo de jovem promissor nas artes, levam a que seja apelidado de Lusitanus Apelles, conforme já foi mencionado. D. João III, em Évora, é nesta altura claramente favorável à cultura humanística, que apenas será travada quando em 1555 entrega à Companhia de Jesus o ensino.
Com 20 anos dá-se o facto fundamental da vida de Francisco de Holanda como artista:
  • obtém uma bolsa a fim de se dirigir a Roma e contactar com os grandes vultos da arte renascentista. Mas quando vai pata Itália é já um pintor claramente vocacionado para a arte, ansioso por se encontrar com os grandes mestres do seu tempo, com os grandes monumentos da antiguidade e com as maiores referências da arte sua contemporânea.
Esta viagem, por ele tão ansiosamente esperada, e que teve a duração de 3 anos (1537-1540) é um marco central na sua vida, como ele mesmo menciona no agradecimento que faz a D. João III, no prólogo de Da Pintura Antiga:
  • «E a Vós, muito Glorioso e Augusto Rei e Senhor, dou eu outras tantas graças pola ajuda que ategora me tem dado (mandandome ir ver Itália) em bens que, inda quando se a náu alagasse, e a cidade saqueada steuesse ardendo, eu posso sem empedimento de carga leuemente comigo trazer a nado [ ... ] porque dizem que o saber é só de todos o que em nenhuma alhea patria é strangeiro».
Destinava-se esta viagem, segundo Jorge Segurado, a corrsponder ao desejo do rei D. João III, de o jovem artista se instruir em arquitectura e «adquirir técnica segura para construir castelos e fortalezas à maneira italiana, tendo em vista, sobretudo, a defesa e a soberania do património de além-mar. Apurámos e não resta dúvida, que a Arquitectura da Renascença italiana foi o alvo principal da viagem, o qual foi de facto atingido com êxito (7)». In Maria de Lourdes S. Ganho, O Essencial sobre Francisco de Holanda, Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

Cortesia de INCdaMoeda/JDACT

domingo, 24 de julho de 2011

A Esgrima: A Arte de Jogar as Armas. Parte II. «Como um jogo de xadrez jogado a velocidade sónica. O objectivo é enganar o adversário, tocar no mesmo sem que ele nos toque, marcar pontos e ganhar»

Cortesia de instinctalternative

A Arte de Jogar as Armas.
A esgrima é um desporto que evoluiu da antiga forma de combate, em que o objectivo é tocar o adversário com uma lâmina ao mesmo tempo que se evita ser tocado por ele. Existem três disciplinas de esgrima:
  • o florete;
  • a espada;
  • o sabre.
Diferindo não só no formato da lâmina mas também nas zonas do corpo onde um toque é válido e também como as armas funcionam.

Equipamento.
É relativamente simples, sendo constituído pela arma de eleição, e as várias peças que constituem o fato de protecção.


1.Gilé; 2.Meia protecção; 3.Calção; 4.Máscara, Babete;
5.Luva de protecção; 6.Punho; 7.Balanceiro; 8.Guarda-mão

Cortesia de sol 

Regras de Competição.
Os atiradores competem dentro de uma pista rectangular, com 14 metros de comprimento por 2 metros de largura, e o objectivo é tocar na zona válida do corpo do adversário, de forma a marcar pontos. O assalto tem um tempo limite de 9 minutos dividido em 3 períodos de 3 minutos. Ganha quem atingir 15 pontos, ou marcar mais pontos dentro do tempo limite. As armas podem estar equipadas com um sistema eléctrico de sinalização, em que é adaptado um sinalizador na ponta da espada, ligado ao sistema de pontuação através de um cabo eléctrico.

Cortesia de sol

Notas:
Na espada não há toques inválidos pelo que as luzes brancas estão sempre apagadas. No florete, quando a luz branca acende é porque o toque foi dado fora do tronco e então é inválido.
Áreas a vermelho: Zona de sinalização (zona fora de limite).
Áreas de Jogo: Linha de Guarda e Linha Mediana.
Zona fora de limite, se o esgrimista pisar esta zona o seu adversário ganha um ponto.
Luz vermelha, representa um esgrimista, a luz verde representa o outro. Acende quando o respectivo esgrimista dá um toque.

Ataque e defesa.
São 3 os movimentos fundamentais: marcha, afundo e retirada. Existem ainda mais 5 movimentos, excepto no sabre, onde um deles é interdito».



Cortesia de sol

In Infografia Telmo Fonseca, Animação Joana Martins.

Cortesia de clublectorieslasllamas



Cortesia de Sol/FPEsgrima/JDACT

António Cândido Franco: Memória de Inês de Castro. A Torre. «O infante D. Afonso não assumiu de imediato os assuntos do reino. A transição entre o estatuto do infante e a situação de rei era por vezes penosa e a mais das vezes passava por inglórias batalhas entre parentes. Por isso, o infante partiu nesse Inverno, logo depois da morte de Dinis, para Sintra…»

Cortesia de wikipedia

A Torre.
«Em 7 de Janeiro de 1325 faleceu D. Dinis em Santarém, com 64 anos. O infante D. Afonso, avisado pela mãe, Isabel de Aragão, veio expressamente de Leiria, onde se encontrava regularmente, como em retiro, depois dos frontais embates de 1321-1322. O rei adoeceu com o Outono e viu o Tejo com rabanadas de folhas. As árvores tinham adormecido e o Inverno anunciava-se frio. O rei foi transportado numa cadeirinha improvisada para Santarém onde ordenou que o seu corpo fosse sepultado no mosteiro de S. Dinis, termo de Odivelas, que tinha sessenta freiras da Ordem de Cister com voto de encerramento e cogula.
Passou os últimos dias a olhar as inúmeras várzeas que se estendiam além de Almeirim, com a melancolia própria de quem antes tinha escrito versos. Ele próprio agora, quase inconscientemente, no meio dos mais inesperados sonhos, se perguntava «ai Deus, e u é?».

O infante D. Afonso não assumiu de imediato os assuntos do reino. A transição entre o estatuto do infante e a situação de rei era por vezes penosa e a mais das vezes passava por inglórias batalhas entre parentes. Por isso, o infante partiu nesse Inverno, logo depois da morte de Dinis, para Sintra, com monteiros adolescentes e perros castanhos com focinhos ágeis e lombos esgalgados. Não levava charamelas e aquilo que o acompanhava não era de modo nenhum, uma corte, mas um circo de batedores habituados a correr até à Roca. Tinha o infante a inesperada e fatídica idade de 33 anos.

Cortesia de wikipedia

A serra era um território pedregoso e lunar, coberto por um denso cogumelo de árvores nórdicas. A fantasia refazia-se aí com a agilidade veloz das brumas. A proximidade do oceano espalhava uma insinuante neblina, que se escondia nas próprias pedras. Podia-se pressentir ou mesmo adivinhar que sob cada uma delas se escondia um génio de fumo, que desaparecia veloz por entre as baixas copas das primeiras dunas. Os homens cantavam estranhos ritos de vitória. Perseguiam a pé os animais através da densa floresta e rastejavam sobre as pedras de modo a não serem vistos. As pedras despenhavam-se abruptas sobre abismos onde só pendiam raízes, seculares raízes que pareciam pôr, desse modo, à mostra o ventre da terra. Olhar esses lugares era olhar as circunvelações internas, as entranhas da própria terra. Os animais olhavam por vezes tranquilos e os homens, nas pedras, ficavam parados, como que estarrecidos e presos à terra.
Nesse Inverno em que o sincelo se agarrou de madrugada às árvores, o infante teve um encontro estranho, ainda que brusco e rápido. A Roca é uma vértebra que se orienta como um eixo. Do lado setentrional a terra faz como que uma barriga batida por um vento. As vertentes são agradáveis, como aliás o são também as do lado meridional, ainda que inóspitas e expostas à mais completa solidão. Foi aí entre o restolho húmido dos bosques que o infante viu surgir das brumas uma espécie de leão solar.

Cortesia de olhaioliriodocampo

A aparição teve o efeito dum rito e Afonso deu, à mão, luta ao animal. Foi uma luta rápida e ágil em que o pêlo do animal parecia chispar com o fogo. O homem assemelhava no seu movimento sólido e cauteloso um poderoso centauro, que se servisse das pernas como eixo fixo e do tronco como manha. Que é afinal, o tronco senão uma árvore de que as pernas são as raízes? O tronco era nele o pensamento, o artifício, enquanto as pernas eram a força, o mais natural instinto. O primeiro ardia numa labareda, enquanto o segundo se enraizava na terra. Mas, foi aí, nas pernas, já duplamente em sangue riscadas e até em certos lados rasgados, que o animal dominou. Fez, porém, desta vitória o segredo inesperado do seu afastamento, deixando mais estupefacto do que desesperado o homem.

O animal, que tinha de fabuloso a agilidade do seu pescoço e o raro do seu pêlo, afastou-se em direcção ao mar. Tinha o andar cauto duma imagem e é possível que o rei o tenha tomado como um mensageiro. A Roca estava, com efeito, povoada de seres e de acontecimentos estranhos e mágicos, e os raros camponeses que cultivavam a oliveira e a vinha, que faziam no mar azenhas, saber que remontava à presença dos árabes na Serra e no Cabo, contavam histórias magníficas acerca do sítio. Uma delas, por exemplo, prendia-se com os astros e remontava, segundo se cria, a muito longe. Os vários povos que se sucederam na região idealizaram-na sempre como o último lençol possível, o finisterra por excelência. Os monteiros entretinham-se a partir amêndoas e a beber caldo enquanto ouviam, com o infante no meio, as histórias fantásticas da Roca. Eles eram, nesses instantes, uma juventude feliz. As agruras, dos casebres, onde as mulheres pariam deitadas ao pé das cabras, apareciam-lhes envoltas num hálito de calor essencial, capaz de redimi as piores misérias (14)». In António Cândido Franco, Memória de Inês de Castro, Publicações Europa-América, 1990, edição nº 103310/4996.

Cortesia de PEA/JDACT