terça-feira, 7 de junho de 2011

Tim Flannery. O Clima está nas Nossas Mãos: «Em 1985, quando vi pela primeira vez estas incríveis florestas, no vale de Nong River a norte de Telefomin, perto do centro da ilha. Ali habitavam muitas espécies fora do comum, algumas das quais exclusivas daquela região e desconhecidas da ciência. Uma dessas criaturas era um "gamba" acinzentado do tamanho de um gato, com grandes olhos castanhos, pequenas garras e uma curta cauda, conhecido pelos habitantes de Telefol, que por vezes iam até ao vale para caçar, como matanim»

Marsupiais
Cortesia de enciclopediabritanica

Linha de Wallace
Cortesia de wikipedia

(Continuação)
Mesmo áreas mais isoladas das florestas húmidas estão a sofrer os efeitos do aquecimento global.
«Em zonas da Amazónia situadas bastante longe de qualquer influência humana directa, a proporção de árvores que constitui o dossel da floresta está a mudar. Estimuladas pelo aumento dos níveis de CO2, as espécies de crescimento rápido estão a crescer mais, tirando espaço às plantas de crescimento lento. Isto diminui a biodiversidade da floresta húmida, já que as aves e animais que dependem da flora de crescimento lento para se alimentarem desaparecem, juntamente com os seus recursos.
Uma das mais importantes divisões naturais no nosso planeta é a «Linha de Wallace». A oeste situa-se a Ásia com os seus tigres e elefantes, enquanto que a este situa-se uma região, no centro da Austrália, conhecida como «Meganésia», a qual tem uma flora e fauna únicas, incluindo muitos «marsupiais».
O habitat mais rico da Meganésia são as florestas de carvalhos das montanhas da Nova Guiné. Durante a estação em que esta árvore dá frutos, o rico húmus do solo da floresta fica coberto com bolotas castanhas, grandes e brilhantes. Se apanharmos uma o mais provável é descobrirmos que foi mastigada, porque neste lugar como em mais nenhum existe um número incomparável de «gambas» e «ratos-gigantes», e estes animais adoram petiscar bolotas.

Gato marsupial
Cortesia de wikipedia

Gambá
Cortesia de g1globo

Em 1985, quando vi pela primeira vez estas incríveis florestas, no vale de Nong River a norte de Telefomin, perto do centro da ilha, as mesmas estendiam-se diante dos meus olhos ao longe, contrastando com o azul do horizonte, intocavelmente primitivas. Fui o primeiro mamalogista a trabalhar naquela área, um privilégio raro. Ali habitavam muitas espécies fora do comum, algumas das quais exclusivas daquela região e desconhecidas da ciência. Uma dessas criaturas era um «gamba» acinzentado do tamanho de um gato, com grandes olhos castanhos, pequenas garras e uma curta cauda, conhecido pelos habitantes de Telefol, que por vezes iam até ao vale para caçar, como «matanim». Falando com caçadores, fiquei a saber que este animal tem uma curiosa alimentação à base de folhas de figueira, fruta e raízes apodrecidas de certas árvores. A região de Nong não é propriamente o lugar mais acessível do mundo, por isso, em 2001, quando tive oportunidade de regressar, não hesitei. Podem imaginar como eu estava entusiasmado mas, mesmo antes de o helicóptero aterrar, o meu entusiasmo desabara. O vale inteiro, juntamente com os picos circundantes, tinha-se transformado numa vasta alameda de jazigos vegetais.
Telefomin
Cortesia de thewebsiteofeverything

Mais tarde, os meus velhos amigos de Telefol contaram-me que durante o segundo semestre de 1997 pouco ou nada chovera, apenas penosas geadas caíram agressivamente do céu sem nuvens, matando as árvores.
Por altura do Ano Novo, o que restava da floresta eram apenas bocados queimados e retorcidos, e o chão estava coberto de folhas mortas. Ao chegar, o fogo atravessou rapidamente o vale, subindo até aos picos circundantes. Ardeu durante meses, e mesmo um ano depois podia reacender-se a partir do musgo e da matéria vegetal morta enterrada em profundidade.
Estes acontecimentos tinham devastado a região, expulsando os animais selvagens dos seus esconderijos. A quantidade de mandíbulas de marsupiais como troféus, na posse -de caçadores, mostra que a catástrofe ambiental tinha permitido que os mais intocáveis refúgios ficassem acessíveis a humanos. Centenas de mandíbulas de criaturas maiores e mais raras, como cangurus das árvores, gambás e ratos gigantes, pendurados em lareiras, provam que até aos caçadores medíocres o êxito foi garantido.

Perguntei a mim mesmo se, penduradas entre aqueles troféus, estariam as mandíbulas do último «matanim» da Terra?
Seriam necessários anos de pesquisa até confirmar a presença ou ausência de um tão raro e esquivo animal. Mas depois do que vi em 2001 ao visitar a região, acredito que, se ele sobrevivesse, isso teria de ser considerado um milagre». In Tim Flannery, O Clima está nas Nossas Mãos, História do Aquecimento Global, Oficina do Livro-Estrela Polar, 2008, ISBN 978-972-8920-93-0.

Cortesia de Oficina do Livro/JDACT