domingo, 19 de junho de 2011

Carla Alferes Pinto: A Infanta dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista. Parte IV. «A Infanta é descrita como uma criança inteligente e interessada em aprender, incentivada pela mãe e pelos professores que a corte lhe fornecia. Fê-lo com destreza dominando rapidamente, na escrita e na leitura, o português, o castelhano e o francês, o grego e o latim. O domínio erudito, quase clássico, que tinha do latim deixou marcas na memória dos estudiosos ibéricos do século XVII...»

jdact

Dona Maria, Infanta de Portugal
«Maria foi a última dos filhos de D. Manuel e a única sobrevivente de D. Leonor, sua terceira mulher. A Infanta nasceu no dia 8 de Junho de 1521, nos Paços Reais da Ribeira. Foi baptizada no domingo, 17 do mesmo mês, pelo arcebispo de Lisboa, D. Martim Vaz da Costa, estando presente a mais alta nobreza:
  • «Levou a menina o Mestre de Sant'Iago, D. Jorge Duque de Coirnbra, e porque nam tinha tanta força nos braços por sua disposição a propria ama da Infante a levou, e elle ajudava. Levou o saleiro o Marquêz filho do Meste, levou o bacio do Cirio, e offerta o Conde de Penella, levou o bacio do colho (?) o Conde de Portalegre. E a cada hum destes Condes hia de sua banda o Marques diante delles com o saleiro. Foraõ Reys d'armas, arautos, e passavantes, e porteiros de Maças. Houve trombetas, e charamellas; Posto que houvesse pouco que falecesse o Infante Dom Carlos. As salas e Cameras armadas, e na sala, onde foy o baptismo estava altar onde fora d'offerecer a Infante depois de baptizada a toda a clerizia revistada de todas capas ruas. A offerta foi ordenada 50 cruzados as mulheres, porque os lhomens de cento».
Teve por padrinho o barão de S. Germaine, senhor de Balaison, embaixador de Carlos III de Sabóia que se encontrava na corte portuguesa a tratar do casamento com D. Beatriz, e por madrinhas as meias-irmãs D. Beatriz e D. Isabel. Chamaram-lhe Maria por ter nascido num sábado.
Foi então entregue aos cuidados da camareira-mor da rainha D. Leonor, D. Elvira de Mendonça, que já o fora da falecida rainha D. Maria, mulher de D. Martim de Alarcão, capitão-da-guarda dos reis Católicos.
jdact

Após a morte de D. Manuel, passados apenas seis meses, em Dezembro de 1521, D. Leonor pensou em recolher-se ao Mosteiro de Odivelas, mas dissuadida pelo novo rei passou a habitar em palácios longe daqueles onde estava D. João. Por esta altura, o povo de Lisboa terá instado o novo rei a tomar por mulher a rainha. Esta ideia não era completamente desagradável a D. João III. Falou-se até em mandar embaixadores a Roma. Um destes, enviado a outra missão, chegou a perguntar ao rei se resolvia casar com a rainha viúva, a fim de tratar da necessária dispensa papal.
Os acontecimentos ter-se-ão precipitado com um episódio passado poucos meses depois. D. Leonor parte para Castela e, ao contrário do que o Tratado de Saragoça consignava, fá-lo sem a Infanta impedida pelo povo de Lisbo em Maio de 1523, levando consigo D. Elvira.
D. Maria ficou, então, a cargo de uma das damas da corte, até à chegada da nova rainha, Catarina de Áustria em 1524 e da sua camareira-mor, D. Joana de Blasfelt.
A Infanta é descrita como uma criança inteligente e interessada em aprender, incentivada pela mãe e pelos professores que a corte lhe fornecia. Fê-lo com destreza dominando rapidamente, na escrita e na leitura, o português, o castelhano e o francês, o grego e o latim. O domínio erudito, quase clássico, que tinha do latim deixou marcas na memória dos estudiosos ibéricos do século XVII, nomeadamente o seu primeiro biógrafo e frade de Nossa Senhora da Luz, Frei Miguel Pacheco, que menciona uma carta em estilo perfeito que enviou à mãe. Há apenas mais uma carta escrita pela Infanta em latim, desta vez para Maria, rainha inglesa, felicitando-a pelo êxito na resolução dos seus assuntos.

jdact

Não pode haver dúvida que a Infanta foi ensinada pelas melhores mestras. Todavia, é necessário fazer uma releitura das fontes ou pelos menos esclarecer alguns dos seus pontos mais ambíguos. Frei Miguel Pacheco escreveu que:
  • «Para los primeros de leer, y escriuir, y lengua Latina, y Griega, lo fue Luísa Sigea, criada suya».
No entanto, o pai de Luísa e Ângela só vem para Portugal, em 1542, tinha a Infanta 21 anos, para entrar ao serviço dos Duques de Bragança. É certo que a fama do latinista e das suas precoces filhas corre depressa e que o rei as chama para o serviço de D. Catarina, mas as crianças da corte eram introduzidas no latim com cerca de 6 anos e a Infanta escrevia aos 14 uma carta à mãe num latim seguro que lhe confirmava anos de estudo. Por outro lado, nenhum dos róis de moradias da Infanta por nós consultados menciona mestras ou latinas.
É na aula da rainha que temos de encontrar os primeiros mestres da Infanta, ou seja, em Joana Vaz. Joana era bastante mais velha que a Infanta e tinha já considerável fama como latinista, sendo celebrada por Resende e por Aires Barbosa. O facto de Frei Miguel Pacheco no seu trabalho biográfico mencionar o nome de Luísa em detrimento do de Joana, compreende-se pela maior fama que a primeira granjeou e pelo facto de a Sigeia ter servido na «casa da Infanta», como a própria, faz questão de salientar quando na dedicatória que escreveu no «Colloquium» se afirma «Cuius auctor pedissequa tua».
Luísa terá entrado para a casa de D. Maria por volta de 1546, depois de lhe ter dedicado o poema «Syntra». Com efeito, enquanto escrevia os versos que celebravam a serra à beira de Lisboa, Luísa ainda servia a rainha, descontente, certamente, como acabou por estar toda a vida». In A Infanta dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista, Fundação Oriente, ISBN 972-9440-90-5.

Cortesia da Fundação Oriente/JDACT