sexta-feira, 20 de maio de 2011

João Oliveira e Costa. O Império dos Pardais: «Era um encontro fraternal. Naquele grupo nunca houvera cerimónias, por mais que o destino tivesse elevado a condição de D. Manuel. Com qualquer um daqueles doze, desde que estivessem em privado, logo desaparecia a formalidade com que tinha de se tratar um neto de rei, um duque, ou o próprio rei. Eram ocasiões de desabafo para quem levava uma vida quase sempre controlada pela etiqueta...»

Cortesia de temasedebates 

A Irmandade de Moura
«Depois da refeição, o rei junrou_se aos companheiros que tinham ficado na vila, numa das salas do paço Ducal. Era uma reunião de velhos amigos, que havia muito tinham cruzado seus destinos com o membro mais novo da família real, um jovem que apenas aspirava a obter o governo de uma ordem militar secundátra, mas que a roda da fortuna guindara ao trono e à cabeça de um novo império ultramarino. Ali estavam D. Nuno Manuel, colaço de D. Manuel, Gaspar de Lemos, Jorge de Brito, D. Miguel de Castro, Luís de Vasconcelos, Álvaro de Sousa e Vasco de Melo. A irmandade era maior quanclo fora constituída, havia trinta e quatro anos, mas o tempo encarregara-se de fazer desaparecer os ourros cinco: António de Brito, irmão de Jorge, morrera de doença, em 1499; Ambrósio de Serpa, fora assassinado em Bristol, no ano de 1502, quando tentava infiltrar-se numa expedição de descobrimento a ocidente, financiada por el-rei Henrique VII de Inglaterra; Lourenço de Brito, outro irmão de Jorge, partira para a Índia, em 1505, com o vice-rei D. Francisco de Almeida, e perecera com ele em 1510, quando regressava ao reino, numa escaramuça escusada com indígenes nas proximidades do cabo da Boa Esperança; Rui de Sá morrera havia três anos, com a amante, trespassadoss pela espada de um marido enganado; Lopo de Góis tombara no ano enterior, combatendo os mouros na batalha dos Alcaides, que se ferira não muico longe de Azamor, em dia de Sexta-Feira Santa.

Cortesia de temasedebates 

Assim que chegou, D. Manuel pediu a Vasco que lhe desse notícias sobre as obras que decorriam no Casrelo de Moura, bem como as da edificação da nova igreja matriz, fora da cinta de muralhas. Depois saudou uma vez mais os amigos.
Era um encontro fraternal. Naquele grupo nunca houvera cerimónias, por mais que o destino tivesse elevado a condição de D. Manuel. Com qualquer um daqueles doze, desde que estivessem em privado, logo desaparecia a formalidade com que tinha de se tratar um neto de rei, um duque, ou o próprio rei. Eram ocasiões de desabafo para quem levava uma vida quase sempre controlada pela etiqueta, a que só escapavam os momentos em que D. Manuel se fechava na intimidade com a rainha. Mas D. Maria, nascida princesa numa corte severa como a dos reis Fernando e Isabel, nunca pudera subir às árvores, correr à frente dos touros ou atrás de uma bola, como D. Manuel fizera nos primeiros anos tranquilos da sua existência. Mesmo na intimidade do leiro conjugal, Maria, embora delicada, aprazível e sempre disponível para seu marido, não deixava de ser uma Trastâmara modelada pela etiqueta. Os encontros com seus amigos da irmandade eram momentos raros de absoluta liberdade para o rei, que vivia preso ao seu poder.

Cortesia de pedroalmeidavieira 

Eram todos jovens nos começos da puberdade quando se haviam reunido na vila de Moura, na última fase das terçarias. Nessa ocasião, no Outono de 1482, D. Manuel não regressara a Castela como  refém, em substituição de seu irmão, D. Diogo. O entendimento entre as duas monarquias adivinhava-se, e esperava-se para breve a libertação do príncipe D. Afonso de Portugal e da infanta D. Isabel de Castela, que por então estavam à guarda da infanta D. Beatriz, mãe de D. Manuel, no Cascelo de Moura, como garantes da paz alcançada em 1479. Por isso, a rainha Isabel de Castela aceitara que o representante da Casa de Viseu nesta complexa trama política ficasse também enclausurado no castelo alentejano. Depois da confusão que o duque D. Diogo provocara na corte castelhana, engendrando um filho à esposa do duque de Villahermosa, que era nem mais nem menos que o meio-irmão do rei Fernando, a rainha decidira evitar mais barafunda, embora D. Manuel fosse muito mais tranquilo e discreto que o altivo irmão». In João Oliveira e Costa, O Império dos Pardais, Editora Temas e Debates, 2008, pág. 93-95, ISBN 978-972-759-993-6.

Cortesia Tema e Debates/JDACT