domingo, 15 de maio de 2011

Daniel Innerarity: O Futuro e os seus Inimigos. «Inimigos do futuro são os que o concebem sem levar a sério a sua complexidade, os que o manejam irreflectidamente, quer porque o entendem como mera continuidade quer porque o hipotecam irresponsavelmente»

jdact

«É frequente associar-se o futuro à aceleração. Segundo essa concepção, não teria futuro aquilo que chega tarde ao torvelinho da concorrência. E desse modo se simplificou enormemente a complexidade psicológica e social do tempo humano. Em primeiro lugar, porque esse concepção nos põe perante uma alternativa entre aceleração e desaceleração que reduz consideravelmente as verdadeiras opções.
A aceleração não é um «rattrapage» do futuro:
  • é um dos seus principais inimigos. Além da alternativa «aceleração/desaceleração», há também a alternativa «movimento verdadeiro/movimento falso», em virtude da qual nos apercebemos de que o aumento da velocidade revela, por vezes, perplexidade, ao passo que a reflexividade é a condição de possibilidade de mudanças mais profundas.
É preciso e todo o momento distinguir o futuro da sua aparência. Só desse modo poderíamos explicar, por exemplo, o paradoxo de que conquistas técnicas altamente destrutivas sejam apresentadas como portadoras de futuro, enquanto as estratégias ecológicas que asseguram esse futuro podem parecer conservadoras. Por isso há uma sensação, amplamente difundida, de a aceleração dos tempos sociais ser ilusória em comparação com aquilo que mais importa e não passa de uma falsa mobilidade, uma fuga para a frente que dissimula a incapacidade de encetar as reformas necessárias e configurar o futuro colectivo. Por isso uma das mais importantes tarefas de crítíca consiste em combater o falso movimento.

jdact

Entre os piores inimigos do futuro contam-se também aqueles que se empenham em neutralizar a todo o custo o seu carácter aberto e imprevisível. As melhores estratégias cognitivas e práticas dos últimos anos foram formuladas precisamente com base em modelos respeitadores da intransparência e da indisponibilidade do futuro. Conceitos como resiliência, risco, emergência ou governação foram pensados como respostas ao malogro da planiÍicação determinista, mas sem renunciar à gestão inteligente e responsável do futuro. Seria preciso repensar o futuro como um cenário de liberdade, uma hipótese ou uma promessa, e não como uma realidade determinante, algo cuja melhor prova se encontra no facto de o passado estar repleto de futuros que não chegaram a concretizar-se. Basta examinar a futurologia de todas as épocas históricas pare comprovar que a maioria dos prognósticos e promessas falharam. A realidade ser tão decepcionante é que a torna humanamente configurável. Nesta perspectiva, os inimigos do futuro não seriam hoje aqueles que procuram impedir-nos de avançar para um futuro que o progressismo dogmático divisa com certeza; inimigos do futuro são os que o concebem sem levar a sério a sua complexidade, os que o manejam irreflectidamente (quer porque o entendem como mera continuidade quer porque o hipotecam irresponsavelmente), os que o planiÍicam sem respeitar a sua intransparência e também os que se abandonam comodamente a um suposto movimento natural das coisas.

Cortesia de armacaodepera
Se assim é, então teríamos de reformular o antagonismo político que, desde a modernidade, tem sido fixado em redor de um esquema esquerda-direita definido com base num suposto movimento da história. Progressistas e conservadores, há-os em todo o arco ideológico. Há reaccionários de direita e de esquerda, que frequentemente cristalizam em coligações como defesa contra o desconhecido. E igualmente surgem, por vezes, acordos entre progressistas de direita e de esquerda para encarar o futuro sem a obsessão de eliminar a sua dimensão menos manejável. Na actualidade, o ideologicamenre decisivo não é definir-se em termos de movimento ou de quietude, mas sim com base na contraposição de movimento para o futuro e movimento para parte nenhuma». In Daniel Innerarity, O Futuro e os seus Inimigos, Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.

Cortesia de Teorema/JDACT