quarta-feira, 6 de abril de 2011

Sottomayor Cardia: «Uma das figuras cimeiras do pensamento e acção política em Portugal, em particular da Esquerda, nos anos decisivos da transformação de Portugal no actual regime democrático. Um pensador político e filosófico de relevo na segunda metade do século XX português. O homem mais livre e decente que entrou numa sala de aulas»

(1941-2006)
Matosinhos
Cortesia de bnportugal

«Mário Sottomayor Cardia foi uma das figuras cimeiras do pensamento e acção política em Portugal, em particular da Esquerda, nos anos decisivos da transformação de Portugal no actual regime democrático. Entre meados da década de 1960 e meados da década de 1980 foi grande a sua influência na condução, sucessivamente, da Oposição comunista, socialista (antes do 25 de Abril de 1974), dos preparativos das eleições para a Assembleia Constituinte e seus trabalhos, dos I e II Governos (como Ministro da Educação) e, por fim, da actividade parlamentar na Assembleia da República, durante a década de 1980. Esta preponderância, contudo, não se baseou em jogos malabares mas numa capacidade (e Obra) intelectual singular em Portugal e numa autoridade pessoal resultante da sua coragem moral e física, antes e depois de 1974. A sua história é, por isso, não só a de um actor político influente mas igualmente a de um pensador político e filosófico de relevo na segunda metade do século XX português.

Cortesia de tintadachina
Terminou os estudos liceais no Porto onde apoiou a campanha de Humberto Delgado (1958) antes de rumar a Lisboa para cursar Direito mas rapidamente passou para Filosofia, na Faculdade de Letras. Depressa se tornou dirigente estudantil e, depois de aderir ao PCP em 1961, trabalhou no sector intelectual durante a crise estudantil de 1961/2. Desde meados da década de 1960 a sua capacidade de intervenção na Imprensa está registada, pois desempenhou grande papel na condução da Seara Nova, então em nova fase de influência comunista. Aí discutiu com os seus camaradas questões políticas usando de grande vigor, tendo depois organizado, em 1971, uma antologia em 2 volumes representativa da história da revista.
Ideólogo rígido, participou de forma determinada na estratégia comunista, apesar de a sua primeira discordância com o PCP datar de 1968, aquando da ocupação soviética de Praga. Discutiu o caso com Álvaro Cunhal, que o convenceu a ficar no Partido e a participar na coordenação das eleições de 1969. Mas, mesmo depois de ter participado, com O Antimarxismo Contestatário (1972) em mais uma polémica célebre contra um conhecido dissidente do PCP (António José Saraiva, que publicara Maio ou a crise da civilização burguesa), o seu afastamento dos comunistas foi inevitável: em 1973...


Cortesia de clubealinha
De imediato, e sobretudo durante o primeiro ano de democracia, Sottomayor Cardia torna-se, a par de Salgado Zenha, a principal voz das políticas em clara demarcação de quaisquer estratégias «frentistas» que lhe obscurecessem a identidade e tolhessem a liberdade de iniciativa. Depois, em 1975, destaca-se como orador e legislador na Assembleia Constituinte. Sem surpresa, integra o governo saído das eleições de 1976, como ministro da Educação. Dificilmente a sua acção pode ser sobrestimada, com efeitos que se sentem ainda hoje:
  • criou o ano propedêutico (agora 12º ano), ganhando tempo para repor ordem nas Universidades;
  • criando o regime de numerus clausus e enfrentando em pessoa greves aparentemente capazes de o afastar do governo, chegando a fazer encerrar a Universidade de Coimbra durante 6 semanas mas deslocando-se à baixa da cidade para afirmar a sua autoridade.
Autor de diversos trabalhos sobre António Sérgio e Vieira de Almeida, na área da Filosofia, e de temas de teoria política (foi docente de Ciência Politica na UNL até perto do seu falecimento), deixa Obra variada e original, na Filosofia, Teoria Política, História da Cultura Portuguesa, ficando por editar as suas memórias, nas quais trabalhava à altura da sua morte. Deixa ainda uma das maiores bibliotecas particulares do país e um arquivo de valor histórico muito apreciável. Como Professor, mais do que o tantas vezes referido racionalismo (real, de facto), um seu antigo aluno, que aqui subscreve, guarda a memória do homem mais livre e decente que entrou numa sala de aulas, o que também lhe trouxe alguns problemas entre alunos e colegas com hábitos menos anti-dogmáticos». In Carlos Leone, Instituto Camões.


Cortesia de Instituto Camões/JDACT